Buckfast, a bebida que te torna criminoso!

Vodka e Buckfast em frente a um local abandonado na Escócia. Créditos: Jeff J. Mitchell / Getty Images

Alguns dos últimos monges beneditinos do Reino Unido, naturais de Devon, produzem um vinho tônico que muitos dizem ter gosto de xarope com chiclete de fruta. De alguma forma, ele se tornou a bebida escolhida por criminosos violentos na Escócia, a 700 km de distância.

Por £7 (R$ 30) a garrafa, o vinho tônico Buckfast não é a bebida mais barata que você pode comprar na Escócia. E com 15% de álcool, também não é a mais forte. Para a grande maioria das pessoas, seria um exagero considerá-lo o mais gostoso (Consumidores satisfeitos que o compraram na Amazon discordam, dizendo que tem gosto de “lágrimas de anjos” ou do “elixir da vida.” Um deles comenta: “Dizem que não tem propriedades medicinais. Mas tenho quase certeza que estão mentindo.”).

O que o vinho pode ser, no entanto, é o mais incendiário. Embora o Buckfast mal alcance 0,5% do volume total de vendas de álcool na Escócia, em 2015 o Serviço Prisional Escocês reportou que mais de 40% dos presos haviam bebido alguma quantidade desse vinho antes de cometerem o último crime. Desses casos, muitos foram violentos (alguns presos geniosos beberam a garrafa toda e fizeram dela uma boa solução como arma). “A Buckie me fez fazer isso” é, aparentemente, a defesa clássica.

Onde o Buckfast realmente se diferencia é na quantidade de cafeína que possui: uma garrafa de 750 ml tem 281 mg, ou o equivalente a 10 latas de Coca-Cola. A bebida seria ilegal nos EUA, onde o FDA baniu bebidas que combinem álcool e cafeína. Em 2014, a bebida Four Loko foi forçada a mudar a receita e retirar os estimulantes que deram a ela a reputação de “blecaute em lata”, para a tristeza de muitos consumidores.

Você provavelmente não deveria beber uma garrafa inteira de Buckfast, que te deixaria tão bêbado(a) quanto virar oito doses duplas, mas as pessoas certamente fazem isso. As consequências podem ser complicadas.

A receita é confidencial, supostamente conhecida somente por um dos monges de Buckfast Abbey. Em sua essência, é um vinho fortificado com sabor baunilha misturado a vários conservantes e cafeína. O maior destaque é a doçura excessiva — não precisa de açúcar para fazer esse remédio descer.

Buckfast em uma praça. Créditos: Daniel Naczk / CC BY-SA 4.0

Os monges dizem que o Buckfast tem todo tipo de fã, incluindo “idosas pequeninas” que tomam um copinho terapêutico após o jantar. Mas elas provavelmente não são os consumidores escoceses que causam grandes tumultos abastecidos por Buckie. A imprensa escocesa aponta para os “neds,” hooligans da região advindos de projetos habitacionais mais pobres em cidades como Glasgow e Dundee. O uso de “ned” como termo é às vezes controverso — políticos já disseram que é classista e degradante, e encorajaram as pessoas a não usá-lo.

Embora certamente o termo não signifique “Delinquente Não-Escolarizado” como o folclore popular sugere, as conotações são claras (em 2003, o então político Duncan McNeil sugeriu que o termo alternativo poderia ser “os caras que ficam encostados pelas ruas” ou “embaixadores do moletom de academia.”).

 

Os monges, por sua parte, não estão felizes com a conexão. No passado, ligaram a controvérsia a um sentimento antirreligioso e se negaram a prestar esclarecimentos quando o Buckfast foi motivo de títulos noticiosos sinistros. Se fosse banido na Escócia, segundo eles, os que cometem os crimes simplesmente trocariam de bebida preferida, e não é justo culpar monges do outro lado do país por abuso de substâncias. Desde os anos 90, pedem que eles mudem a receita reduzindo ou o álcool ou a cafeína; eles continuam a recusar.

Seja intencional ou não, a popularidade crescente do Buckfast na Escócia não os afeta muito — no ano passado, ganharam quase £9 milhões (R$ 38 milhões) com as vendas da bebida. E como são uma ordem religiosa, não pagam impostos por esses milhões.

Buckfast Abbey, Devon. Créditos: Peter O’Sullivan SJ / CC BY-SA 2.0

Buckfast Abbey, onde os monges vivem e a bebida é produzida, fica muitas horas distante de Glasgow. Ninguém sabe exatamente como o vinho ficou tão popular entre os desafortunados de cidades do outro lado do país. Os monges sugerem que pode ter algo a ver com os fãs tradicionalmente católicos do time escocês de futebol Celtic FC terem criado uma preferência por tomar da santa bebida como aperitivo pré-jogo nos anos 70.

Mas há evidências que sugerem que escoceses têm um gosto especial pelo Buckfast, também chamado como Suco Destruidor de Lares, Loção da Comoção, Garrafa da Briga Contra o Mundo, Speed (nota do tradutor: droga sintética em pó) Líquido ou Suco Embolador, por muito mais tempo que isso. Em propagandas de lojas de vinhos dos anos 30 em jornais escoceses, é a única bebida que fazem questão de mencionar pelo nome.

É possível que escoceses desenvolveram uma preferência pelo Buckfast pelas supostas propriedades medicinais. Em 1921, mudanças nas leis de licenciamento determinaram que álcool só poderia ser vendido entre 11:30 e 15:00, e entre 17:30 e 22:00 nos dias da semana — com a venda totalmente vetada aos domingos. Mas o Buckfast, que era vendido em farmácias como remédio além das lojas de vinhos, poderia ser comprado a qualquer momento. Até os anos 60, ele era anunciado como “um animador esplêndido que restaura o entusiasmo e brilho,” disponível em todas as melhores farmácias.

Buckfast em Buckfast. Créditos: SKIN-UBX / CC BY 2.0

Seja qual for a explicação, o Buckfast parece estar firmemente estabelecido no mundo culinário escocês, ao lado de destaques como o super-doce pudim em forma de tablete, barras de chocolate Mars fritas, e a Munchy Box (NT: uma espécie de marmita). Açougueiros dão sabor à carne com ele, lojas usam-no para vender ovos de Páscoa, e as ocorrências violentas e criminosas associadas a ele continuam a se expandir.

Enquanto isso, lá no sul, hipsters de Londres parecem a estar começando a gostar da bebida. Na taqueria e bar Bad Sports, na popular região de Hoxton, o bartender e natural de Glasgow Stu Bale mistura o vinho com gim e Campari para fazer sua criação principal, Coatbrige Negroni. “O Buckfast tem um azedinho bom e sabor de fruta, então é um substituto válido para o vermute vermelho,” disse Stu à Vice. Pode te deixar bêbado, segundo ele, mas “se souber o que está fazendo, pode fazer com que algo fique realmente delicioso.”

Texto traduzido por Cláudio Ribeiro do site Atlas Obscura.

Clarissa, a menina abusada pelo pai

Me deparei na internet com um quadrinho muito especial. Além do artista ser extremamente talentoso em seus desenhos e na sua forma de contar as histórias, conseguiu, em sua criatividade, misturar uma leveza ao peso de uma conversa que nunca é fácil: o abuso sexual dentro das famílias. Pior ainda: o abuso de uma criança.

Jason Yungbluth consegue nos colocar na cabeça e no dia-a-dia de uma garota que não tem mais de 10 anos e nos mostra como cada momento passa em sua cabeça. Não tem muito mais o que explicar, o legal é ler os quadrinhos. Por isso, resolvi assumir a tarefa de fazer a tradução das histórias. Leia abaixo (recomendo abrir cada imagem individualmente para poder ler sem problemas) e tire suas próprias conclusões. Haverão legendas explicando um pouquinho o que pode ser subentendido em alguns trechos. Se quiser ler os quadrinhos originais (em inglês), basta clicar aqui.

clarissa_ptbr1Começando do começo: esses quadrinhos não foram feitos para serem engraçados. São deprimentes, além do “Ah, é tão triste que é fofo,” e mais no patamar do “Uau, meu dia mudou após absorver essa história.” São quadrinhos sobre a vida de uma garota que convive com o abuso. Recomendo cuidado ao ler se você acha que não dá conta.clarissa_ptbr2clarissa_ptbr3clarissa_ptbr4clarissa_ptbr5clarissa_ptbr6clarissa_ptbr7clarissa_ptbr8clarissa_ptbr9clarissa_ptbr10clarissa_ptbr11clarissa_ptbr12Se ficou confuso(a) em alguma parte, aqui vai o resumo: Clarissa está sendo abusada sexualmente pelo pai. Se você reparar na última imagem do Sr. Lobo “tentando comer” a esquilo Mimi, verá que o lobo tem os óculos do pai de Clarissa e a esquilo tem o laço da garota. O pai de Clarissa chega a chamá-la de esquilo na história. A mãe e os irmãos dela todos sabem do que está acontecendo, mas não sabem como lidar com isso e acabam ignorando. Obviamente, não tem como fazer esse tipo de coisa desaparecer, mas todos fingem que são uma família normal. Todos querem que tudo seja ordinário, como se nada estivesse acontecendo, mas é muito difícil e não tem jeito. O irmão mais velho fica bravo e desconta na Clarissa, basicamente dizendo que é tudo culpa dela. O irmão do meio está tão traumatizado que mal consegue funcionar, mas se esforça para fingir que está tudo bem. A professora na história comete o mesmo erro, percebendo todos os sinais óbvios e ignorando, negando enxergá-los. Clarissa até tenta pedir ajuda, mas a professora não faz nada.

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Se não entendeu essa história, o pai de Clarissa acaba de fazer sexo com ela. A lua mostra o tempo passando, e o pijama de Clarissa está meio-aberto. No início, a mãe de Clarissa esquece dos problemas com a bebida. Ela sabe que sua filha está sendo abusada pelo marido, mas não faz nada. Por pena, ela continua comprando brinquedos para a menina, como que para compensar. O brinquedo tomando vida representa a imaginação danificada de Clarissa. O abuso levou embora sua infância, então no início o brinquedo quer se divertir enquanto a menina o ignora, graças às circunstâncias que levaram embora a alegria e a inocência. O brinquedo pula da janela, mas provavelmente representa Clarissa jogando-o fora por ter desistido da felicidade e da infância depois de cada estupro, ou representa as várias pessoas em sua vida que fugiram do problema dela sem ajudá-la. É como se manter aqueles presentes da mãe significassem aceitar o estupro como algo normal, mas ela não consegue viver nessa mentira.

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Não dá nem para imaginar uma vida com esses pensamentos presentes a cada segundo e minuto! É difícil ficar calmo ao pensar na vida da Clarissa e de todas as crianças e pessoas que tiveram que passar por algo tão terrível, algo que os fez irem a tais pontos para conseguirem seguir vivendo.

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Essa história tem o bicho-papão, os monstros embaixo da cama que amedrontam a maioria das crianças ao ponto de deixá-las acordadas a noite inteira. Mas com o abuso de Clarissa, só há um monstro na vida dela: o próprio pai. Ele já a convenceu a ficar quieta, e se ela disser a verdade será taxada de “mentirosa.” Tudo mais que deveria ser assustador já não tem efeito nela. Clarissa convida os monstros a comê-la, o que também pode ser interpretado como uma alusão ao suicídio.

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O abuso de crianças existe, e está acontecendo lá fora. Não podemos fingir que isso é fição, não podemos fingir que tudo está bem, porque não está. Explicando a história acima: a família de Clarissa está ignorando o problema e se esforçando para fingir que tudo continua ótimo. Clarissa já está de saco cheio de fingir, e não aguenta mais agir como se nada estivesse acontecendo.

Se quiserem ler a história original, em inglês, basta acessá-la pelo site acima. Se você sabe de algum abuso infantil ou sexual acontecendo perto de você, disque 100 e conte o que está acontecendo. Seu anonimato pode ser protegido e você pode salvar o futuro de uma criança ou adulto.

Espero que esses quadrinhos sejam capazes de tocar muitas pessoas e melhorar a cultura do abuso em nosso país. É com essas mentes criativas e a vontade de contribuir que construímos um futuro melhor para nossas crianças e nosso Brasil.

Adendo: peço desculpas pelos erros presentes nos quadrinhos. Meu computador já pode ser classificado como “dinossauro,” e os programas de edição acabam ficando muito lentos, o que resulta na perda de algumas letras (ou a reposição de outras). Espero que não se incomodem.