Uma nova, enorme base de dados sugere que a desigualdade vai só piorar

A “espiral sem fim da desigualdade” pode estar chegando mais rápido do que imaginávamos.

No seu livro best-seller de 2014 “O Capital no Século XXI” (tradução livre), o economista Thomas Piketty alerta que se os já riscos pudessem acumular riqueza mais rápido do que as economias conseguissem crescer, a desigualdade iria disparar nas próximas décadas, potencialmente desestabilizando sociedades no processo.

A riqueza, afinal, se auto-perpetua. Você põe dinheiro na poupança, e ele cresce. Você compra uma casa e seu imóvel (tipicamente) é valorizado. Você investe na bolsa de valores e vê uma taxa anual de retorno.

Esta máquina corta e separa US$ 2.000 em notas de R$ 20 para serem agrupadas e enviadas aos seus destinos vindas do Escritório de Impressão e Gravação. Créditos: Marvin Joseph / The Washington Post

O trabalho, por outro lado, não é assim. Se você não tiver riquezas e quiser ganhar dinheiro, precisa continuar trabalhando. Se a economia for forte o suficiente, seus ganhos aumentarão, e com o tempo você poderá gerar alguma riqueza própria. E se seus ganhos estiverem aumentando mais rapidamente do que a riqueza, há uma chance de que algum dia você poderia alcançar a pessa que começou com uma poupança de R$ 1 milhão.

Comparativamente, se seus ganhos estiverem crescendo mais lentamente do que a riqueza aumenta, você nunca irá alcançar. Você pode trabalhar o quanto quiser e economizar o quanto conseguir, mas nunca chegará ao ponto do riquinho da poupança. Para usar uma analogia de maratona, não só eles começaram no meio do caminho, mas estão correndo mais rápido que você.

Questionamentos acerca de quão rápido a riqueza cresce em relação à economia têm sido dificultados por uma falta de dados bons, completos e comparáveis de longo termo sobre as taxas de retorno de vários recursos: ações, títulos, imóveis e similares. Isso seria necessário para se saber o que esperar do retorno “natural” em uma economia ocidental: quanto esperar da valorização de imóveis com o tempo? E o retorno esperado na bolsa de valores com o passar das décadas? E os títulos do governo?

Agora um artigo em construção, escrito pelo economista Òscar Jordà, do Banco da Reserva Federal de São Francisco, pretende calcular justamente isso: “A Taxa de Retorno de Tudo.”

Depois de compilar esta base de dados pioneira, a equipe de Jordà chegou a uma conclusão surpreendente: o livro de Piketty até subestima as taxas históricas de retorno de riqueza. “O mesmo fato reportado [por Piketty] se prova verdadeiro para mais países, mais anos, e mais dramaticamente,” os pesquisadores concluem.

A riqueza se acumula mais rapidamente — muito mais rapidamente — do que o ritmo das economias. Se isso é mesmo verdade, significa que nos próximos anos, a desigualdade das riquezas poderá crescer ainda mais rápido do que Piketty temia.

A lacuna entre o acúmulo de riqueza e o crescimento econômico tem sido um tema constante nas grandes economias do mundo praticamente em todo o período entre 1870 até 2015, segundo os pesquisadores. Compilaram um banco de dados da taxa anual de retorno dos quatro maiores tipos de riqueza: títulos do governo, contas no tesouro, ações e imóveis residenciais.

A contribuição-chave está relacionada ao último citado: imóveis. Para ter dados comparáveis dos últimos 150 anos em 16 países, combinaram duas bases de dado compiladas recentemente: uma dos preços das casas e outra dos aluguéis.

Adiciona-se os retornos de tudo, faça um gráfico da taxa média durante o período para todos os 16 países da base de dados, e você acaba com um diagrama assim:

Pode-se constatar que houveram poucos choques aos retornos em geral da riqueza no último século e meio — as taxas caíram dramaticamente durante as duas guerras mundiais, assim como na crise do petróleo dos anos 70 e, mais recentemente, na crise financeira global de 2007.

Mas no todo, se você fosse um típico investidor e quisesse comprar uma parte representativa da economia do mundo rico, você poderia esperar uma taxa anual de retorno de cerca de 6,28%.

Você pode pensar nessa como a taxa “natural” de retorno em uma economia avançada: se uma pessoa investisse US$ 100 em uma parte representativa de uma dessas economias, teria US$ 106.28 ao fim do ano.

Agora vamos comparar isso à taxa de crescimento econômico geral.

Com a exceção dos tempos de guerra, quando a instabilidade afeta os mercados de ações (ou os desabilita completamente) e bombas literalmente destroem a riqueza imobiliária, a taxa de retorno de riqueza tem sido bem mais alta do que a taxa de crescimento das maiores economias. No geral, se o retorno médio anual de riqueza desde os anos 1870 tem sido de 6,28%, o crescimento econômico anual se resume a somente 2,87%.

“A taxa de retorno média de capital foi duas vezes mais alta que o crescimento dos últimos 150 anos,” os autores concluem.

Muitos economistas apontam que isso não é necessariamente um problema. Há muitos fatores, como taxações sobre heranças e depreciação, que podem reduzir o valor do capital com o tempo. No fim das contas, “mais capital irá erodir o retorno econômico no capital,” como um dos críticos de Piketty apontou em 2014.

Mas os números compilados pela equipe de Jordà não parecem excluir esse fator. Eles observam que o valor total de recursos do capital nas economias estudadas, comparado ao PIB, praticamente dobrou entre os anos 70 e 2015. Mas nesse período, o retorno desses recursos foi relativamente estável. Mais capital não erodiu o retorno econômico no capital.

A implicação é que Piketty pode ter estado certo, afinal de contas, com sua previsão lúgubre de desigualdade em aceleração nas décadas por vir, talvez até mais certo do que imaginava.

De toda forma, os dados compilados pela equipe de Jordà poderão ajudar os economistas a refinar ainda mais a compreensão da questão — e o que isso significa para nossas carteiras.

Traduzido do Washington Post.