Como é viver no Norte do Brasil?

Leia minha resposta diretamente no Quora.

O Norte é enorme, então não posso responder por todos, mas vou te contar minha experiência em Monte Dourado, no Pará, uma vila pertencente ao município de Almeirim. Morei lá dos 7 aos 9 anos de idade, totalizando quase três anos.

Monte Dourado foi uma “cidade” formada para alojar os engenheiros e funcionários da Cadam, uma empresa de caulim que trabalhava em conjunto com a Jari, de celulose. Muitas casas tinham um estilo que lembra o americano, embora mais simples.

Eu morava na Vila Cadam, que era onde os engenheiros moravam. A entrada para a vila tinha umas casas mais chiques, onde moravam alguns executivos. Quando chegamos, praticamente todas as ruas da cidade eram de terra, mas quando eu fui embora, boa parte tinha sido asfaltada.

Eu e as crianças do bairro gozávamos de alguns privilégios a mais do que a maior parte da população, como o saneamento, oferecimento de energia, e lazer. Tinha um parquinho bem grande para nós, uma quadra de volêi de praia e uma churrasqueira para os adultos. Todas as casas tinham quintais espaçosos e a oferta de frutas da região era farta.

(Clube Jariloca, no Centro da cidade)

O clube Jariloca era um ponto de encontro importante na cidade, e oferecia tudo que um bom clube tem: aulas de tênis com boas quadras, uma piscina com temperatura amena (Monte Dourado nem precisa de aquecimento) com toboágua funcionando, sauna, lanchonete, chalés para churrascos…

Eu fiz artes marciais e tênis aqui, com bons professores.

A cidade também contava com três escolas particulares para o Ensino Fundamental e uma (Positivo) para o Ensino Médio. Estudei nas três, não sei exatamente o porquê, mas no geral a educação era adequada. Achei a melhor sendo a do Positivo. Ainda assim, quando minha irmã tinha idade para fazer o primeiro ano do Ensino Médio, meus pais acharam melhor mandá-la de volta para Belo Horizonte para terminar sua educação. Ela achou ruim na época, pois tinha um namoradinho na cidade, mas hoje em dia é agradecida!

Existiam duas escolas de inglês, uma delas sendo a Wizard, em que comecei meu aprendizado da língua. Outra coisa pela qual agradeço meus pais, começar na infância é o melhor caminho para a verdadeira fluência 🙂

Outra curiosidade sobre Monte Dourado é que ela ficava colada na divisa com o Amapá, e atravessávamos o Rio Jari de catraca (um pequeno barco motorizado) como se fossem ferry boats, para chegar à Laranjal do Jari, uma cidade com mercados de peixes suspensos sobre os rios e vários outros artigos baratos. Era um mercadinho para os habitantes de Munguba, Almeirim e Monte Dourado.

(Vista de Laranjal do Jari a partir do lado de Monte Dourado. Nada formoso, mas nunca comi peixes melhores!)

Ouvia-se pouco sobre crimes. A maior parte era violência doméstica, com alguns casos fatais, infelizmente. A cultura do machismo e o abuso do álcool eram comuns entre os habitantes mais simples. Eu, como criança, nunca presenciei nenhum problema com indígenas nem nada do tipo, mas é possível que meus pais e seus colegas tivessem tido experiências diferentes.

Também por ser criança, minha liberdade era incrível. Eu ia e voltava de bicicleta todos os dias da escola, construí casas na árvore, explorei a floresta amazônica com meus amigos, vimos e filmamos cobras, macacos, tartarugas, conhecemos madeireiros ilegais em uma de nossas excursões (e alguns de nós apanharam muito por conta disso!), e como curiosidade, em uma certa época do ano besouros gigantes apareciam no chão da cidade inteira, e não se moviam durante a manhã. Usávamos como apetrecho em nossas roupas, e deixávamos onde havíamos encontrado depois que começavam a se mexer.

(Besouro Hércules, uma de minhas peças de roupa preferidas!)

Além de todas essas coisas sobre Monte Dourado, meu pai sempre gostou de acompanhar a tecnologia, e compramos computador cedo lá em casa. Aprendi a mexer em computadores com o Windows 95, e nasci em 1992! Por conta disso, sempre tive contato com a internet. Meu pai foi um dos primeiros a assinar a AT&T em Monte Dourado (quando a empresa ainda existia no Brasil), e vários dos meus amigos iam na minha casa para lermos coisas online e jogarmos jogos de Gameboy através de um emulador.

Enfim, aproveitei diversas frutas que nunca mais vi, conheci animais incríveis, conheci a nossa linda floresta amazônica, tive amigos ótimos (alguns que mantenho até hoje), pude viver uma autêntica experiência de criança na cidade pequena, de pé descalço e brincando de bente-altas na rua. Tive dois cachorros fantásticos e uma tartaruga.

Eu adorava o sotaque (gostaria de continuar usando “Égua!” no dia-a-dia!) e adorava como as pessoas eram humildes, felizes e cúmplices. Parecia que toda a cidade estava se esforçando para melhorar junta e cuidar dos seus. Eu não tinha um conceito de racismo ou de classes sociais, todos os meus amigos eram iguais para mim. E, bem ou mal, Monte Dourado era até bastante desenvolvida para o interior paraense.

Acho que isso ficou longo demais, mas aqui está minha experiência no Norte do Brasil. Eu não trocaria por nada, e sempre será uma segunda casa para mim. Também pude visitar Belém, Santarém e Porto de Moz, e amei todos os lugares e pessoas por que passei.

Prisões no Brasil passam a oferecer ayahuasca para evitar reincidência!

Alguns criminosos violentos do nosso país estão tendo a oportunidade de uma reabilitação radical através da poderosa experiência psicodélica da cerimônia do ayahuasca.

Ao invés da persistência no sistema de abuso contínuo e alienação que muitas prisões modernas oferecerem, algumas das prisões brasileiras estão começando a oferecer serviços holísticos para encorajar a reabilitação dos presos. Os serviços oferecidos para alguns desses prisioneiros incluem práticas guiadas de cura como yoga, reiki, meditação e, em alguns locais, a jornada da ayahuasca. O objetivo é garantir a reabilitação de criminosos violentos e reduzir as taxas de reincidência depois que são soltos.

A planta responsável pelo chá de ayahuasca. Fonte: Brotando Consciência

A ayahuasca é um chá psicodélico derivado da videira de ayahuasca, Banisteriopsis caapi, e a planta Psychotria viridis, ambas as quais são nativas da Amazônia. A cerimônia do ayahuasca é uma tradição antiga de cura usada pelos povos indígenas da Amazônia. Alguns dos que participaram do ritual relatam profundas experiências de cura psicológicas e, às vezes, físicas.

Nos últimos anos, a ayahuasca chamou a atenção e invocou a curiosidade de pessoas mundo afora, o que culminou em um turismo internacional crescente pela ayahuasca em várias regiões amazônicas da América do Sul. Com o crescimento da popularidade, cresceu também a pesquisa dos usos terapêuticos da planta. Ela mostrou potencial para ajudar as pessoas a se recuperarem de traumas, transtorno de estresse pós-traumático, dependência química e depressão, além de alguns tipos de câncer e outras doenças.

Preparo do chá de ayahuasca. Fonte: follow the sun

Prisões brasileiras começaram a oferecer o ayahuasca através do grupo de defesa aos direitos dos prisioneiros chamado Acuda, com sede em Porto Velho.

Aaron Kase diz, em um artigo de 2015: “O programa da ayahuasca serve um propósito duplo. A população prisional brasileira dobrou desde 2000, e as condições são precárias com superlotações, então os tratamentos são um teste para tentar reduzir as taxas de reincidências. Por ora, poucos presos participam, e está muito cedo para dizer se os tratamentos os ajudarão a não retornar ao sistema prisional, mas ao menos é um bom ponto de partida.”

Um prisioneiro acusado de assassinato disse ao New York Times em 2015 sobre as lições que aprendeu com suas experiências com a ayahuasca: “Estou finalmente percebendo que estava no caminho errado. Cada experiência me ajuda a querer me comunicar mais com minha vítima e pedir perdão.”

Como o artigo do New York Times conta em detalhes, supervisores da Acuda, que obtêm permissão de um juiz, transportam cerca de 15 prisioneiros por mês para um templo que performa as cerimônias da ayahuasca.

“Muitas pessoas no Brasil acreditam que presos devem sofrer, passando fome e depravações,” Euza Beloti, psicóloga da Acuda, diz ao New York Times no mesmo artigo. “Esse pensamento incentiva um sistema onde prisioneiros voltam à sociedade mais violentos do que quando entraram na prisão. [Na Acuda] nós simplesmente vemos presos como seres humanos com a capacidade de mudar.”

Texto original de April M. Short, retirado do site AlterNet.