Por que eu não posso ir para Dubai e simplesmente pegar os carros abandonados de lá?

Leia minha resposta no Quora.

Porque as multas acumuladas devem ser pagas mesmo que você não seja o responsável por elas, ficam atreladas ao carro, e após pagar as multas você ainda teria que entrar em contato com o governo sobre uma transferência de titularidade para poder usar, caso contrário, sendo pego dirigindo-o, você seria preso e obrigado a pagar as multas.

Eu não sei dessa informação, mas acho improvável que o governo vá permitir que você transfira os documentos do carro para o seu nome. Mas como isso é um problema que tem ocorrido lá, acho que é o que deveriam fazer. Talvez facilitar essa transferência.

Acho que uma ótima solução para esses carros seriam leilões, como é feito em outros países, inclusive no Brasil.

Resposta resumida: você não pode pegar um carro abandonado em Dubai e sair dirigindo pelo mesmo motivo que você não pode fazer isso em nenhum lugar, há leis e titularidades para carros.

Aquela vez em que um jogo teve uma economia quase tão forte quanto a Rússia

No fim de 2001, um economista chamado Edward Castronova provocou ondas do tamanho de tsunamis no mundo da Economia ao publicar uma tese afirmando que um lugar isolado chamado Norrath tinha uma moeda mais forte que o yen japonês, o que foi uma afirmação corajosa, considerando que Norrath tinha menos do que um milhão de habitantes, existia há apenas dois anos e não existia fisicamente. Sim, Norrath era inteiramente virtual, e populada exclusivamente por jogadores do jogo EverQuest.

Lançado em 1999, EverQuest é um jogo multiplayer online (MMORPG) imensamente popular e influente. Estabelecido no mundo mágico de Norrath e ostentando impressionantes (para a época) quinhentos mil assinantes no auge de seu sucesso, EverQuest chamou a atenção de Castronova de forma similar à que chamou a de todo mundo — ele achou que pudesse ser um jogo divertido.

No entanto, ao se familiarizar mais com o jogo, ele percebeu algumas coisas fascinantes sobre como a economia virtual havia se desenvolvido dentro do jogo. Tudo isso culminou na publicação de uma tese cômica, mas muito bem pesquisada e inovadora, na Social Science Research Network (Rede Social de Pesquisas Científicas, tradução livre), chamada Virtual Worlds: A First-Hand Account of Market and Society on the Cyberian Frontier (Mundos virtuais: uma observação em primeira mão do mercado e da sociedade na cyber-fronteira). Castronova pessoalmente afirmou: “Achei que talvez setenta e cinco pessoas fossem ler, e isso já seria ótimo.”

Ao invés disso, a tese recebeu rapidamente mais de 16.000 downloads (hoje está beirando os 50.000). Embora isso não possa parecer muito, vamos lembrar do contexto desse caso: é uma tese acadêmica publicada em uma revista acadêmica online. Nem é necessário dizer que o número de downloads fez da tese a mais baixada na história da Social Science Research Network, que à época disponibilizava 50.000 teses acadêmicas, incluindo dezenas escritas por vencedores do prêmio Nobel.

Por que esta tese era tão fascinante para o mundo da Economia? Como o economista Yanis Varoufakis afirmou, “A teoria econômica chegou a uma rua sem saída — os últimos verdadeiros avanços ocorreram nos anos 60. Mas isso não é porque deixamos de ser inteligentes. Chegamos em uma barreira intransponível. O futuro está na experimentação e na simulação — e comunidades de vídeogames nos dão a chance de operar dessa forma.”

O que Castronova havia abordado sem querer era essencialmente o sonho dos economistas — mundos virtuais que pesquisadores podiam usar para analisar vários conceitos em seu campo de forma científica, usando grandes conjuntos de dados e as pessoas reais que populavam estes mundos. Ou como o jornalista Brad Plumer, do Washington Post, afirmou sucintamente, em mundos virtuais “Os dados são mais ricos. E é mais fácil fazer experimentos econômicos em um jogo — experimentos que, por motivos óbvios, não podem ser realizados em países.”

Resumidamente, economistas acadêmicos estavam intrigados com a tese de Castronova, e suas consequências para pesquisas futuras.

Então, o que Castronova encontrou? Depois de analisar meticulosamente todos os dados disponíveis sobre o mundo de Norrath, ele ficou chocado em descobrir que em dólares do mundo real, Norrath tinha o 77º maior PNB per capita no mundo, ficando entre a Rússia e a Bulgária na época.

Como isso era possível para um mundo virtual com apenas dinheiro virtual?

No auge da popularidade de EverQuest, a venda de itens do jogo corria solta, e em determinado momento um jogador podia comprar qualquer coisa que quisesse, independente da raridade ou potência, desde que tivesse dinheiro para pagar pelo item.

Embora a Sony, que lançou o jogo, ter feito várias tentativas de impedir esta prática, chegando a afirmar entre outras coisas que todos os itens à venda eram sua propriedade intelectual, bem como chegando a banir jogadores que eram pegos fazendo isso, a venda de itens e avatares no jogo se tornou uma indústria próspera em sites como o Ebay.

O ex-ator mirim Brock Pierce (talvez melhor conhecido como criança por seus papéis em Nós Somos os Campeões e Enlouquecendo meu Guarda-Costas, e como adulto por seu trabalho com criptomoedas) até mesmo abriu uma empresa de sucesso, Internet Gaming Entertainment (IGE), que negociava esses bens virtuais em troca de dinheiro real. A empresa tinha uma grande equipe de funcionários de baixos salários que trabalhavam em Norrath e no mundo real, fazendo coisas como encontros para trocar bens, evolução de avatares e aquisição de bens virtuais para vendas futuras.

Em todo caso, Castronova analisou mais de 600 vendas ilícitas fora do reino de Norrath em sites como o Ebay, e então comparou-as aos valores dos itens no jogo usando a moeda principal de Norrath — Peças de Platina.

Ao fazer isso, Castronova descobriu que o valor relativo de uma Peça de Platina em dólares era de US$ 0,01072. Embora isso possa não parecer muita coisa, Castronova aponta que, considerando a época, “o valor ultrapassa o do yen japonês e da lira italiana.”

Com esse valor em mãos, Castronova pôde então calcular várias outras coisas interessantes sobre a economia de Norrath. Por exemplo, descobriu-se que o cidadão médio de Norrath recebia cerca de US$ 3,42 por hora (ou cerca de US$ 5 hoje em dia) levando-se em conta o valor dos itens e do dinheiro que podiam adquirir realisticamente a cada hora jogada.

Combinando isso ao tempo estimado que os jogadores gastavam jogando (de acordo com dados coletados por Castronova em uma pesquisa com mais de três mil jogadores), Castronova calculou:

Muitos jogadores gastam até 80 horas por semana em Norrath, quantidade encontrada também em profissões reais. Em 80 horas, com a renda média, o usuário típico gera dinheiro Norrathiano e bens equivalentes a US$ 273,60. Em um mês isso daria mais de US$ 1.000, em um ano mais de US$ 12.000. A linha da pobreza para uma pessoa solteira nos EUA é de US$ 8.794.

Observando jogadores em todos os níveis de comprometimento de tempo, Castronova determinou que, apesar do jogo ser extremamente novo, o jogador médio de EverQuest já tinha mais de US$ 3.000 em bens passíveis de venda dentro do jogo.

Mas ainda não acabou, porque Castronova foi então capaz de calcular o produto nacional bruto de Norrath baseando-se no valor de bens (inteiramente virtuais) produzidos em 2001. Seu número final? Cerca de US$ 135 milhões.

Embora isso possa parecer pouco, dividindo o valor entre o número total estimado de cidadãos de Norrath, isso significava que o PNB per capita do reino virtual era de US$ 2.266 — um valor que, como mencionado anteriormente, teoricamente colocava o estado computarizado na 77ª posição do ranking de países reais.

Naturalmente, essa informação chamou a atenção dos economistas colegas de Castronova, assim como outras observações feitas por ele sobre o mundo virtual e a economia que ele estava estudando.

Por exemplo, de acordo com Castronova, uma outra coisa curiosa que ele percebeu durante sua pesquisa foi que, apesar de todos os esforços feitos pela Sony em deixar todos em pé de igualdade no início do jogo, a desigualdade financeira se tornou rapidamente abundante entre os cidadãos de Norrath.

Além disso, Castronova observou que, assim como no mundo real, os jogadores mais ricos frequentemente acumulavam sua riqueza e usavam seus vastos recursos para pagar jogadores mais pobres para fazerem trabalhos repetitivos que eles não queriam perder tempo fazendo, tornando-se efetivamente pseudo-empregadores que mantinham a maior parte dos lucros do trabalho dos plebeus para si.

Anedotalmente, sobre seu próprio tempo jogando em um nível baixo sem recursos, Castronova diz: “Meu problema é que estou mal equipado. Estou praticamente pelado e com apenas uma espada simples, um homem das cavernas em um mundo de cavaleiros. Minha pobreza é opressora — nenhuma quantidade de pelo de rato é suficiente para comprar uma simples túnica com os preços absurdamente altos dos mercadinhos.”

Naturalmente, ao que o jogo evoluiu, a questão de “desiguladade inicial” também desapareceu para alguns, graças aos mercados onde jogadores com uma renda disponível no mundo real poderiam simplesmente comprar o que quisessem por dinheiro real, entrando no jogo muito mais poderosos e capazes do que um jogador sem esta opção.

Desde a tese de Castronova, e parcialmente como um resultado direto do seu trabalho estudando economias virtuais, aquela que ele mesmo chamou de “fracasso acadêmico” e “porcaria de faculdade estadual” acabou levando-o a subir de nível na vida real — garantindo a ele a posse na Universidade de Indiana em Bloomington como professor de Telecomunicações e Ciência Cognitiva, assim como o título de “fundador do campo de economias virtuais”.

E como muitos outros mundos virtuais com economias virtuais complexas surgiram da mesma forma, economistas e outros cientistas continuam a estudá-los, criando grandes placas de Petri para observar como inúmeras variáveis resultam em mudanças na economia e no comportamento humano.

Partindo de outra perspectiva, empresas de jogos como a Valve começaram a contratar economistas para ajudá-las a gerir seus mundos virtuais. Como o economista Robert Bloomfield aponta, “Se você está criando um jogo com 100.000 usuários onde há coisas que eles podem comprar e vender, você precisa de um economista para te ajudar a configurar o sistema de forma que ele não saia totalmente do controle.”

Quanto a Castronova, ele concluiu sua tese inovadora sendo poético sobre o potencial que mundos virtuais poderiam ter com a aplicação de novas tecnologias, afirmando:

A previsão do impacto na sociedade é difícil de ser exagerada. Com o desenvolvimento da tecnologia de comunicação por voz, a comunicação em mundos virtuais pulará dos chats entediantes para conversas como as de ligações por telefone, aumentando o papel que o mundo virtual assume como lugar para interações sociais. Famílias que vivem a milhares de quilômetros de distância se encontrarão todos os dias por algumas horas à noite, reunindo seus avatares em volta da mesa de jantar virtual para contar as novidades. E os tempos de dirigir até a loja podem estar contados. As estradas na Terra estarão vazias porque, ao invés de usá-las, todos estarão velejando pelos céus azuis-celestes em seus cavalos roxos voadores, visitando Walmarts virtuais no céu.

Fatos interessantes:

  • Para receber itens comprados ilegalmente via Ebay e outros, Castronova observou que os jogadores normalmente vendiam o item online primeiro e então combinavam um lugar predeterminado no jogo, onde o vendedor trocava o item que o comprador adquiriu por um item de valor irrelevante que tinha em posse. Castronova se divertiu ao descobrir que, assim como na vida real, muitas dessas trocas ilícitas se davam em prédios abandonados e becos escuros.
  • Em 2017, o valor do bolívar venezuelano caiu tanto que passou a valer literalmente metade da moeda principal de Azeroth, o reino do jogo World of Warcraft.

Texto original publicado por Karl Smallwood no site Today I Found Out.

O Quênia vai pagar uma mesada aos seus cidadãos

Resumo:

A caridade GiveDirectly deu início ao maior experimento de renda básica universal do mundo no Quênia. Cerca de 6.000 pessoas receberão um pagamento incondicional pelos próximos doze anos.

GiveDirectly, uma caridade que tem financiado transferências monetárias diretas a vilas pobres do leste africano desde 2008, anunciou recentemente que lançou oficialmente o maior experimento de renda básica universal (RBU) da história.

A começar em 13 de novembro, 40 vilas (cerca de 6.000 pessoas) receberão por volta de US$ 22,50 (R$ 75), sem restrições ou condições, por 12 anos. Ao mesmo tempo, outras 80 vilas receberão a mesma quantidade por somente dois anos, mais 80 receberão a soma total do período de dois anos, e 100 vilas não receberão nada.

O estudo vai produzir os dados mais compreensivos até hoje sobre o que acontece quando as pessoas recebem dinheiro em troca de nada. Ajudará a responder perguntas como: as pessoas param de trabalhar? Abrem negócios? Têm mais predisposição a gastar com drogas e álcool — ou talvez com educação?

O estudo também coletará dados de toda a comunidade para saber se a segurança financeira adicional reduz aspectos negativos da pobreza, como violência e roubos.

Créditos: SuSanA Secretariat / Flickr

“Os últimos 19 meses desde que anunciamos nossos planos de testar o RBU foram notáveis,” diz o CFO da GiveDirectly, Joe Huston, ao blog da organização. “O debate acerca da renda básica continua a ferver, dos céticos que a chamam de ‘ato sem sentido de auto-sabotagem preemptiva’ aos otimistas que a chamam de ‘o que direitos políticos e civis foram no séc. XX, só que no contexto do séc. XXI.'”

A renda básica é algo tão novo que pesquisadores ainda precisam coletar bons dados sobre o sistema no mundo desenvolvido. Outros experimentos surgiram para preencher essa lacuna.

Em Oakland, Califórnia, a encubadora de startups Y Combinator finalizou um estudo piloto no qual várias pessoas receberam de US$ 1000 a US$ 2000 (R$ 3265 a R$ 6530) por mês. A Y Combinator está se preparando para lançar um teste maior em dois estados em algum momento de 2018.

“Agora é hora de fazermos nosso trabalho, esperar e aprender,” escreve Huston. “Esperamos ter a primeira rodada de resultados em um ou dois anos, e depois será mais de uma década de aprendizado a ser seguido enquanto observamos essas comunidades.”

Texto traduzido do site Futurism.

Comentário do tradutor: a RBU não é muito discutida no Brasil apesar de ser um tópico recorrente entre grandes presidentes de empresas de tecnologia, políticos europeus e estudiosos em todos os cantos do mundo.

Para quem não está familiarizado com o assunto, a Renda Básica Universal é uma proposta de que, para sanar as maiores dificuldades e problemas da dificuldade em diferentes sociedades, haja um valor básico distribuído em igualdade para todas as pessoas de um país ou região.

A proposta é parecida com o que se foi feito no Brasil com o Bolsa Família, com o diferencial de que o valor é mais significativo e entregue a todos, independentemente da classe social.

Atualmente, nossas conversas no país têm sido mais ideológicas e nos afastamos um pouco do debate econômico e das possibilidades de solução para a desigualdade social gritante no país. Algumas faixas mais histéricas da sociedade estão confundindo o comunismo com o socialismo, os programas sociais com Cuba, etc. etc. Por isso talvez a RBU não tenha sido tópico de discussão aqui com tanta intensidade.

Trago, no entanto, o assunto à tona por ter vontade de entender quais seriam as opiniões de brasileiros. A inflação explodiria? O Estado seria capaz de bancar o investimento? A taxação sobre diferentes classes deveria mudar para possibilitar tal proposta?