Segundo período na UFOP… O que mudou quanto à homofobia?

É difícil começar esse post porque tem várias coisas que posso comentar. Há pouco mais de seis meses eu era um calouro nessa universidade e ainda estava conhecendo tanto o espaço acadêmico quanto as relações sociais da cidade e das repúblicas. Muitas das impressões que eu tinha mudaram, mas muitas continuam. Posso dizer, logo de cara, que se eu tinha vontade de batalhar no começo, agora eu teria mais vontade ainda. Conhecer diversos homens e mulheres de várias repúblicas, casas, apartamentos e regiões da cidade me fizeram ter ainda mais respeito e admiração pelo sistema que existe aqui e por algumas de suas tradições. Muita gente já tem noção, mas pensando nos que estão chegando ou nos que pensam em vir, seguem algumas das minhas impressões:

  • Ex-moradores sempre voltam. É emocionante ir em um aniversário de uma república (especialmente as mais antigas) e ver gente mais velha (tipo, seriamente mais velha) voltando para tomar uma cerveja, contar histórias, comparar momentos e integrar gerações e gerações de pessoas que têm uma mesma casa, os mesmos hinos em comum;
  • O companheirismo serve para tudo. Perrengues, estudos, rocks, pegação. Tem muita gente que acaba entrando nas prioridades erradas, mas a maioria das pessoas que se tornam irmãs em uma república são realmente irmãs. E isso segue além da casa, criando amizades que não vão embora e muitas, muitas histórias para relembrar. O companheirismo da UFOP chega a ser quase maçônico, porque ser de uma república significa que as pessoas que moraram ali com você estarão sempre por perto (mesmo que longe) para te ajudar, seja profissionalmente, economicamente ou de qualquer forma que for. Os ex-alunos também. Tudo acaba se tornando uma rede de apoio que te segue a vida inteira e traz retornos que pouquíssimas outras faculdades podem garantir;
  • O convívio com pessoas diferentes na mesma casa trazem um crescimento pessoal imenso. De aprender a arrumar a casa a cuidar mais das finanças, de entender e aceitar costumes que no início podem até parecer estranhos a respeitar pessoas que já passaram por situações como as suas e podem oferecer um pouquinho de aconselhamento (valeu pai, valeu mãe!);
  • Morar em uma república com outras pessoas acaba te apresentando coisas que você nem sabia que gostava, mas acabou descobrindo: jogos de baralho, matérias que nem são do seu curso, esportes, natureza ou até mesmo áreas que você nunca achou que teria interesse (política, filosofia, coleções, gêneros musicais…).

quadrinhos

Dito isso, os motivos que me levaram a escrever o primeiro texto acabam por ofuscar um pouco disso tudo. Ouve-se muito o discurso de representantes republicanos prometendo melhoras, mais compreensão, diversidade e acolhimento. Enquanto muitos da faculdade pressionam pelo sistema socioeconômico nas casas da faculdade (como acontece em Mariana), muitos outros, republicanos federais e particulares, tentam lembrar os estudantes dos benefícios da tradição, da história que ela carrega para a cidade e para a UFOP. Com certeza isso é muito valioso. No entanto, embora muitos dos discursos sejam “Estamos buscando um meio termo que agrade a todos”, a realidade não parece estar se aproximando disso. O foco parece ser em melhorar as condições das batalhas dos bixos, e não em pressionar questões que muitos concordam que são mais importantes: diversidade socioeconômica, de orientação sexual, respeito e maior tolerância.

Enquanto muitas repúblicas melhoraram por conta de seus atuais moradores nas questões sociais, outras ainda acreditam que as coisas devem ficar como estão. Quando eu entrei, não existia um Spotted para entender o que se passa pela cabeça de outros estudantes, mas agora isso existe, e aqueles que acompanham percebem que ainda há muita gente nessa faculdade que não concorda que mulheres podem pegar quantos caras elas quiserem (como os caras pegam), que os gays se fazem de vítima e não procuram as repúblicas (se for mesmo o caso, por que será?) e que não há preconceito racial na UFOP. Tem muita gente que realmente acredita estar certo(a) quando diz que orientação sexual diferente da heterossexual é sem-vergonhice, e isso acaba atrapalhando tudo. Afinal, se um decano quer aumentar a diversidade de sua casa, como fazer isso com amigos que são totalmente contra dividir o quarto com alguém que é gay?

Dá pra dizer quem é gay só olhando a foto? Importa?

Foram muitas as reações desde que saiu aquele texto. Tivemos aquele bixchaço no RU (convenientemente, os republicanos federais almoçaram em casa), debates sobre homofobia, diálogos nos grupos da faculdade e nos campus, mudanças de discurso e tentativas de melhorar a situação. Infelizmente nada resultou disso. Passou-se mais um período e pouquíssimo, se alguma coisa, mudou. As mesmas repúblicas que aceitavam gays continuam aceitando, as que não aceitavam continuam não aceitando, e a sensação na cidade é a mesma. Se em Mariana um rock de Economia tem gays, heteros, republicanos, “pensionistas”, jornalistas e pedagogos, um rock de Turismo em uma república federal recebe a avaliação “Putz, estava cheio de viado.” Como se isso fizesse a mínima diferença. Na UFOP, dentro do mesmo campus, tem gente da Escola de Minas achando que Artes Cênicas nem deveria existir. O ritmo de intolerância segue, perpetuado por pessoas que não precisam sentir isso. Elas poderiam estar aproveitando muito mais conhecendo gente de todo tipo.

O cara (hétero) que levou o amigo (gay) para o baile da escola porque o amigo não tinha um par.

Acho que um pouco dessa dificuldade das pessoas de melhorar a situação em Ouro Preto vem do clima atual de discussão. Antigamente, para se preparar para um debate, um grupo contra o desmatamento lia livros sobre os pontos positivos de se desmatar, conversava com aqueles responsáveis pelos desmatamentos e desvendavam seus motivos pessoais e ideológicos. Eles pesquisavam o grupo com quem iam contra exaustivamente para que tivessem autoridade ao ir contra ele. Para um debate, uma discussão e um aumento de conhecimento, todos procuravam conhecer os dois lados. Com os algoritmos do Facebook, o funcionamento da internet e o agrupamento de interesses comuns, esse hábito foi deixado de lado. Hoje, ler Marx automaticamente torna um ser humano comunista, marxista, esquerdista, gayzista, feminazi, maconheiro. Ler sobre a teoria do capitalismo e da economia globalizada automaticamente torna esse mesmo ser humano coxinha, reaça, machista, homofóbico, racista, filhinho de papai acomodado. Não existe mais o estudo por informação. Não existe mais a busca por convivência. E por esse já ser um problema em Ouro Preto, se a questão não se estagnou, provavelmente piorou. Há uns dois anos a ideia do ser homofóbico a ponto de recusar um morador gay era algo que estava começando a ser mal visto, e hoje em dia já existem mais pessoas que passam a mão na cabeça desse marmanjo e dizem “Essa é sua opinião, não tem problema se sentir assim, pode ter preconceito! É seu direito.” Infelizmente.

Não quero me demorar tanto quanto no outro texto. Peço compreensão das pessoas que estudam comigo. Viver 4 ou 5 anos em Ouro Preto em uma república sem gays não vai impedir que você tenha que conviver com colegas, vizinhos, familiares gays no futuro. Ser preconceituoso com uma pessoa por uma questão que ela não controla (gay, negro, mulher) não é algo que está OK, não é algo que você pode ter como ideologia porque você está afetando diretamente outras pessoas, e de forma muito negativa. Não é como escolher uma camisa azul ou vermelha.

Muita gente aqui na faculdade, tenho percebido, nunca teve um único contato direto com uma pessoa homossexual. Alguns evitam isso ativamente, se afastando de um amigo que sai do armário, ou de um homem que fale de forma muito feminina, por diversos motivos. Outros simplesmente não tiveram a oportunidade até agora. Muitas dessas pessoas acabam sendo mais aversas a ter contato com pessoas de outra orientação sexual justamente por ser uma questão desconhecida. Então eu sugiro, ou melhor, proponho: conversem com alguém homossexual por cinco minutos. Se continuarem convencidos de que é completamente impossível ter uma amizade com aquela pessoa, ter coisas em comum e trocar experiências de vida, tente conversar com outra pessoa porque essa provavelmente é muito chata (de chatos o mundo tá cheio). É uma questão tão pequena, tão besta, tão pessoal e afastada do convívio social que eu te garanto, com toda a certeza da minha vida, que nesses cinco minutos você perceberá que não precisa impedir que morem na mesma casa que você. Não consigo contar nos dedos as vezes que fiz amizades até o ponto em que contei que era gay. É algo tão sem importância para uma amizade se formar que só faz diferença para alguns quando eles ficam sabendo.

Outra coisa que percebi é que realmente a maior questão para muitos homens na faculdade em relação a aceitar gays é o medo de desonrar o nome de uma casa (ou talvez pressão de ex-alunos). Bom, gente, vocês já sabem disso mas é sempre bom lembrar: muitos dos ex-alunos hoje são gays assumidos. Alguns casados. Alguns até com filhos. Eles moraram na mesma casa que você, são gays, eram gays quando moravam aí e ninguém nem reparou. Olha quanta diferença fez. Não é desonra ter um cara assumido na sua casa. Num mundo sensato, isso deveria ser motivo de orgulho. Porque sair do armário é ter coragem. É ver sua mãe dizendo que preferia morrer a ter você no mundo. Ser convidado a uma terapia cristã para uma conversão que não existe. É dar bom dia para o pai e receber de volta uma cara de nojo. Tudo isso por muito tempo até o ponto em que eles percebem que você é a mesma pessoa que sempre foi. E depois enfrentar o resto do mundo, tendo entrevistas de emprego recusadas porque você cometeu o erro de falar que tinha um parceiro e, além de tudo, o escárnio ocasional e o barulho nas redes sociais e no meio da rua. Bom, pelo menos eu passei por isso. Para alguns é mais fácil. Para outros, rola ser expulso de casa. Eu me sinto corajoso por ter admitido para todos que pretendo me relacionar com homens e que não vejo mais problema nisso. Não acho que isso deveria afetar minhas amizades, mas infelizmente acaba sendo o caso, né?

Se vocês querem mesmo melhorar, tornar a UFOP mais diversa, o aluguel universitário em Ouro Preto mais barato e nossa formação humana mais valiosa, levem adiante a ideia de que essa segregação não precisa existir. Levem adiante a ideia de que a mulher tem o mesmo valor que o homem. Comecem a enxergar os seres humanos como todos iguais, independente de tudo – passado, cor, com quem se relaciona ou qual o órgão genital. Porque no fim das contas, nós somos mesmo todos iguais. E isso não é uma ideologia política nem social. Não é esquerdismo nem querer destruir a família heterossexual. É só uma pessoa sendo boa e tolerante. E pra isso você não precisa deixar seus ideiais de lado, só precisa aprender a aceitar o diferente.

Quero mandar um agradecimento final a todas as repúblicas femininas e masculinas que passaram desse ponto e passaram a aceitar todos os calouros, verdadeiramente todos os calouros. Quero agradecer aos republicanos e republicanas que me receberam de braços abertos em suas casas e como amigo, que jogaram um truco, trocaram ideia, tomaram (muita) cerveja comigo. Aos caras que defendem quem é gay pros amigos sem medo de serem vistos como gays também (ao invés de ouvir uma zoação maldosa e olharem para o chão). Às republicanas que lutam pelas mulheres nessa nossa universidade, mesmo que agora até mesmo algumas mulheres as vejam como histéricas malucas. Agradeço aos dois que são hoje meus melhores amigos, os caras que me acolheram, moram comigo e estiveram sempre do meu lado nesse tempo todo (e que espero que fiquem do meu lado até o fim desse curso). Quero agradecer a toda a UFOP pelo melhor ano que eu já tive até aqui e por todo o crescimento pessoal e acadêmico que vieram junto. Hoje tenho certeza do que serei, e quem serei, graças a esse lugar. E é por isso que todas as minhas atitudes, convivências e ideias estarão sempre viradas para o bem de todo mundo que está à minha volta, mesmo que eu falhe de vez em quando. E é por isso, também, que quero e peço que todo mundo, todo mundo junto, faça o possível para que a UFOP seja ainda melhor nos períodos que virão. Para os homens, mulheres, pais, filhos, gays, heteros, lésbicas, trans, negros, brancos, asiáticos, imigrantes, intercambistas, ouropretanos, seres humanos que compõem essa nossa un ivers idade.

Não escreverei mais sobre esse assunto. Espero que minha formatura em 2020 seja frente a uma UFOP mais igualitária e unida. Torcerei e pautarei minhas atitudes em prol disso. Espero que não seja só eu.

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Edição posterior (12/01/18): esta postagem foi escrita no primeiro semestre de 2015. Os relatos aqui anunciados podem estar desatualizados e/ou não condizer com a realidade atual. Se estiver preocupado(a) sobre ingressar, procure o grupo da UFOP no Facebook e consulte os estudantes.

Quando descobri que eu tinha passado para a UFOP esse ano, fiquei muito feliz. Fui aprovado para uma das faculdades mais conceituadas do país para um curso ótimo. Voltei a ficar perto dos amigos de infância e das origens da minha família, e vim morar em uma das cidades mais históricas e significativas do Brasil. Era tudo flores, mas logo que cheguei tomei um susto. Procurando por repúblicas para morar, me deparei com um problema que eu jamais imaginei que minha geração ainda precisaria lidar: ninguém me queria.

Esses homens não me conhecem. Não sabem de onde eu venho, não sabem o que eu já estudei, nem de quem sou filho, o que faço, o que sei ou o que penso da vida. A cada minuto chegavam mais e mais mensagens de repúblicas federais e privadas me convidado para conhecer suas casas, bater um papo, tomar um “café”. Todos me parabenizando por ser mais um que entrou em uma das Engenharias. Até aquele ponto, eu só era um calouro e, por extensão, tudo que eles queriam e procuravam: mais uma pessoa para dividir custos e biritas, ou mais alguém para levar adiante a tradição da casa. Achei que seria fácil, que eu teria um leque de opções e que encontraria o lugar que tinha mais a ver comigo em pouco tempo.

Infelizmente, em Ouro Preto, estar fora do armário não é algo visto como corajoso, sincero ou sensato. Por respeito, minha atitude em todas as repúblicas que me interessaram foi a de assumir (de novo). Mesmo depois de ter conversado com esses vários universitários e me dado bem com eles, contado um pouco de quem eu sou e de onde vim, a partir do momento que eu me assumi, deixei de ser calouro e me tornei mais um gay que chegou na cidade. Alguém que não tem direito de entrar nas repúblicas federais (gratuitas, públicas e – teoricamente – de livre acesso para estudantes que não têm condições de pagar as privadas) e que não deveria se misturar com a tradição universitária ouropretana. Se às 10h da manhã eu tinha 10 casas para morar, às 10h da noite eu não tinha nenhuma. E entrei em pânico.

Por sorte, as pessoas vão se virando, e afinal o ser humano é ótimo contra adversidades. Como eu obviamente não sou o primeiro homossexual a chegar em Ouro Preto para cursar o Ensino Superior, pude encontrar amigos, fazer novos, encontrar uma casa fantástica e entrar na vida social da cidade. O incômodo que não passa, no entanto, é o absurdo de conviver com a realidade de que os gays estão segregados, assim como certos cursos, por simples implicância e desinformação. É impossível ignorar o fato de que repúblicas federais deveriam ser para todos, em especial os que delas precisam, e não só para heterossexuais dispostos a passar por trotes mais severos. Não me conformo que, a essa altura do campeonato, pessoas com menos de 25 anos de idade ainda estejam assimilando e repassando a ideia de que nada há de proveito em um ser humano se “gay” for uma característica.

Não vou dizer que essa é a primeira vez que enfrento preconceito, até porque isso seria impossível, mas em outros cantos onde estudei, como no Rio de Janeiro, vencer isso foi fácil. Meu curso de Biblioteconomia me introduziu a um campus onde a homofobia é praticamente inexistente, e os poucos que ainda estranham a homossexualidade acabam percebendo que não existe nenhum monstro ali, aprendem a conviver e se integram. Meu melhor amigo do curso era hetero e eu nunca tive que lidar com um olhar torto. Depois de um ano e meio, quando mudei para Administração, foi um pouquinho diferente. Eu era o único gay da turma, ou o único que tinha um relacionamento declarado no Facebook e não ligava de responder perguntas sobre isso. Os meninos estranharam porque nunca lidaram com isso, mas em duas horas estávamos todos bebendo como se nos conhecêssemos há dois anos. Vieram as perguntas curiosas e, depois de respondidas, ser gay voltou a fazer parte do segundo plano na minha vida. Me acostumei com isso, com a ideia de que as pessoas da nossa geração eram sensatas e compreendiam que é impossível todo mundo gostar da mesma coisa. Me enganei.


Muito pode ser dito sobre a rejeição de gays em repúblicas masculinas. Dos argumentos mais usados, alguns homens dizem se sentir desconfortáveis de se trocar na frente de um homossexual, como se uma pessoa gay jamais tivesse visto um homem pelado na vida ou como se todos os heterossexuais provocassem uma atração violenta em homossexuais que os fizessem tornar-se predadores sexuais automaticamente. Bom, sabemos todos que nenhuma das duas coisas é verdade. Hetero, eu também uso banheiros públicos, com mictórios sem divisórias e chuveiros sem cortina. Eu também frequento vestiários de clubes, e já vi amigos – gays e heteros – pelados. Já namorei e já fiz muito sexo nessa vida. Seu corpo não é nenhuma novidade para mim, e a menos que você também seja gay, não tenho o menor interesse nele. Lembre-se que virei seu colega de quarto porque precisava de um lugar para morar enquanto estudo na faculdade, não para fazer orgias.

Outros homens também gostam de usar o argumento de que rejeitar gays é uma forma de prevenir confraternizações inadequadas, o que chega a ser mais absurdo do que o argumento acima. Ora, sabemos todos que em qualquer república, onde camas de solteiro são a norma, o coleguinha sai do quarto quando o outro arruma uma parceira. Sabemos também que se um não quer, dois não brigam. Se dois gays são irresponsáveis de começar a se pegar numa casa masculina, eles devem sim ser punidos de forma proporcional, mas isso não significa que todos os universitários homossexuais precisam ser punidos pela possibilidade. Se fosse assim, não haveriam repúblicas mistas, e se confraternização realmente fosse um problema sério para os estatutos, Ouro Preto não teria a fama de suruba que tem.

Não há mais argumentos, o resto é preconceito. Fomos criados para acreditar que o gay bicha é insuportável, barulhento, inconveniente e desnecessário. Fomos criados para acreditar, até, que ele é uma aberração da natureza que não pode ser encorajada – como se o comportamento inerente a um ser humano pudesse ser ensinado. A verdade é que não tem nada de errado em ser um homem feminino, e percebo que os heteros que perceberam isso acabaram gostando muito de ter amigos com pontos de vista diferente, bem como comportamentos. Desconsiderando a feminilidade, a própria homossexualidade já é tida como insuportável. Nenhum decano vai dizer “Podemos aceitar gays, desde que sejam discretos/homens/de boa.” O que você provavelmente vai ouvir é: “Não aceitem gays, digam que não faz o perfil ou qualquer coisa do tipo.” Você também não vai ouvir a verdade, porque eles sabem que não podem dizê-la, em especial as federais.

E se um universitário gay decide contar que gosta do mesmo sexo quando já estiver lá dentro? Bom, o mais provável é que esse universitário não dure muito mais naquela república. Entre a expulsão imediata e o bullying agressivo, muitas histórias hão de ser contadas. Mas o fim delas é sempre o mesmo: já era. O sentido que consigo encontrar nesse comportamento é o de que republicanos têm medo de manchar o nome. O fato de que existe um homossexual assumido em uma república repercute pelos círculos sociais e chega a todos. As zoações acompanham. De súbito, uma festa já não enche tanto, os colegas dão risadas abafadas, todos começam a ser tidos como gays. Difícil manter uma república assim. Ou, afinal, como apresentar uma república para os pais de um novo calouro quando tem um homossexual na casa? Eles podem achar ruim, impedir o filho de entrar lá. O importante é a rotação, logo o nome precisa ser protegido. Os homens republicanos, viris, heterossexuais machos e cheios de amor para dar não têm que lidar com o infortúnio do coleguinha gay, certo? O que nenhuma das repúblicas conseguiu entender até agora é que se todas elas deixassem de ver problema na questão, nenhuma delas acharia motivo para diminuir, caçoar ou desrespeitar um nome ou tradição. Mais alarmante ainda: eles não foram capazes de constatar que as vagas seriam preenchidas muito mais rápido, e que o preço do aluguel da cidade inteira poderia ser menor. É, tô falando sério, gente: vocês acham que gay se enfia debaixo da ponte quando você diz não? Não, cara, ele procura outras pessoas que tiveram o mesmo destino, aluga mais uma casa e vai estudar. Isso não ajuda muito na especulação imobiliária já deturpada da cidade.

Há também uma pérola interessante nas justificativas de não permitir gays: se um entrar, no período seguinte ele chamará os amigos, que no período seguinte chamarão os amigos. Em tempos de ditadura gay, quem não há de dizer que esses homossexuais autoritaristas e com sangue nos olhos não vieram para raptar e homossexualizar repúblicas inocentes? Claro, essa sempre foi nossa ideia. A gente entra na faculdade para roubar espaço dos outros e instaurar o gayzismo, porque duh, não temos nada melhor para fazer. Não, sério: eu vim estudar Engenharia para propagar a homossexualidade. Não é sarcasmo, eu juro.

Enfim, o que acontece em Ouro Preto é, de todas, a pior das realidades: os poucos gays que têm coragem de se assumir na faculdade acabam se isolando, convivendo entre si mesmos, com uma perpétua sensação de que talvez não sejam tão quistos ali, ou de que talvez estejam perdendo alguma coisa, ou de que gostariam de estar vivendo entre amigos mais diversos. Enquanto isso, os homossexuais mais assustados e inseguros acabam entrando nas repúblicas em segredo, sem poder namorar, conhecer alguém ou no mínimo contar a verdade. Se escondem, fingem gostar do que não gostam, mentem para os “amigos”. Riem e debocham da própria orientação, sentindo uma dor bem característica e se enfiando mais no poço de insegurança. Alguns acabam entrando em colapso e causando escândalos, quando não aguentam mais estar sozinhos e põem a mão na virilha do colega. O resultado é óbvio: o gay acaba sendo visto como algo pior, os heteros sentem-se ainda mais ameaçados pela diferença e a cidade de Ouro Preto permanece como uma fábrica de formandos acuados, que seguem adiante na mentira, na desilusão e na infelicidade.


Se você acha que o problema acaba nas repúblicas, pense de novo. A cultura republicana de Ouro Preto também afeta os universitários em geral, e de uma forma muito mais grave: ela gera desrespeito por outros profissionais. Em algum momento da história brasileira – não entrarei no cenário internacional aqui, porque não vem ao caso – os cursos da área de Humanas foram relacionados à homossexualidade. Sensibilidade, elucidação e interpretação tornaram-se características femininas. Ignoramos o fato de que homens – heterossexuais em sua maioria – iniciaram o Teatro, muitas vezes se vestindo de mulheres para representá-las, já que elas não eram consideradas capazes de interpretar. Ignoramos o fato de que grandes bandas que fizeram história eram compostas de homens heteros. Ignoramos que o jornalismo não tem sexualidade – e nem gênero. Para o cursante heterossexual médio de Ouro Preto, a cidade de Mariana – onde se concentra a maioria dos cursos de Humanas – é lugar de viado. E “ainda bem”. Mal sabem eles que, enquanto as pessoas em Mariana crescem e aprendem a respeitar de tudo e a todos, Ouro Preto segue estagnada. E eles também são capazes de realmente acreditar que a situação ouropretana faz deles mais homem do que os “marias” de Mariana.

Deixando um pouco de lado o fator homossexualidade, me parece absurdo que o feminino seja insistentemente visto como negativo ou inferior para os homens heteros. Como o ser humano é capaz de inferiorizar aquilo que, ao mesmo tempo, ele mais admira – ou diz admirar? Como endeusar e admirar a mulher e, ao mesmo tempo, ridicularizar e diminuir seus traços mais comuns? Nunca consegui ver sentido nessa lógica, e sigo não conseguindo. Gostaria muito que um homem heterossexual fosse capaz de me explicar como ele mantém esse raciocínio tão falho, o de que um homem que expressa características femininas é tido como fraco, emasculado ou inferior.

Já de volta às profissões, faculdades mais saudáveis, onde os cursos são integrados e unidos, acabam por formar pessoas que valorizam os profissionais. Professores, atores, músicos, jornalistas, advogados, engenheiros, médicos, museólogos, farmacêuticos, físicos, são todos vistos como pessoas competentes que concluiram o Ensino Superior e partiram para o mercado de trabalho para melhorar o país. Em Ouro Preto, estudantes acabam formados para acreditar que os formandos de Mariana são simplesmente menos. E sim, talvez muita gente levante o nariz ante essa afirmação, mas isso tem muito a ver com o tanto que Humanas aceita os gays e com a associação que as pessoas fazem entre sexualidade e gosto.

A relação entre a personalidade das pessoas e os cursos onde entram vai muito mais além do que é proposto por esse texto. A fala “Eu sou de Humanas”, assim como a “Eu sou de Exatas”, faz parte de papos e brincadeiras entre amigos. E por quê? Não dá para ser os dois? Ser de um “lado” ou do outro nos define como? De onde vem a formação? E, por fim, como chegamos ao ponto em que uma pessoa de Engenharia evita um amigo de Artes Cênicas? Isso é necessário ou jusificável? Dentro do mesmo campus, na cidade de Ouro Preto, onde mal temos 15 mil alunos, precisamos ser desunidos porque um homem gosta de usar saia e o outro boné? Conseguimos chegar a um estado tão mesquinho de polarização que vestimenta, sexualidade ou interesse profissional nos impedem de conhecer pessoas e fazer amizades?


A situação não é só responsabilidade dos estudantes. Como aconteceu em Mariana, já passou da hora das repúblicas federais em Ouro Preto mudarem o sistema. Enquanto lá os ingressantes não mais precisam enfrentar as pesadas “batalhas” pela vaga e a mentalidade geral é mais aberta, aqui nenhum dos dois é realidade. Embora interessante, esse formato engessa a tradição da cidade e impede que as pessoas se tornem mais tolerantes. Veteranos mais velhos, já convencidos de que os gays são uma pandemia, passam isso adiante para os mais jovens, mantendo a cultura da homofobia, da graça de zoar um viado. Seguindo o exemplo das federais, as particulares não veem problema em manter as coisas como são. Isso acaba favorecendo a aceitação de pessoas que talvez nem precisem da república gratuita, e a rejeição de pessoas que, ao ver das gerações anteriores, não se encaixam. Para ajudar, ex-alunos interferem na opinião e nas atitutes tomadas pelos atuais cursantes. Por terem vivido a mesma cultura e a mesma tradição, o reforçado é o mesmo. Nada muda.

Enquanto isso, nos corredores da direção da UFOP, a faculdade continua achando que isso é um problema que precisa ser resolvido entre os alunos, algo que não os envolve. Alunos têm medo de procurar a faculdade com queixas sobre repressão ou preconceito pela possível retaliação que viria dos membros da república a ser punida. Coordenadores e orientadores continuam acreditando que as coisas estão boas como estão, e que há choro desnecessário. Muitos concordam que ficar no armário é o mais louvável e digno de um homossexual, afinal eles não deveriam “esfregar na cara dos outros”. Eu gostaria mesmo de saber o que qualquer heterossexual acharia se alguém dissesse na cara deles que não podem ficar com ninguém a não ser que seja num beco escuro. Que não podem levar ninguém para casa ou se relacionar. Que precisam esconder toda e qualquer forma de afeto que mantêm por outras pessoas. Acho que ninguém gostaria de ouvir isso. Novas repúblicas gratuitas estão sendo construídas nas terras da faculdade e, ao invés de uma iniciativa que pudesse mudar a situação, repúblicas particulares tradicionais foram convidadas para ocupá-las. Vale notar: nenhuma delas têm gays.

Festas nas repúblicas continuam tendo preços diferentes para homens e para mulheres, a fim de que a “oferta” seja ampla. A cultura do estupro de mulheres continua em alta. Parte da tradição é que placas de repúblicas femininas sejam roubadas para que suas moradoras tenham que ir até a casa dos “ladrões” para reclamá-las em um social, como se mulheres fossem incapazes de aceitar um simples convite. Coletivos LGBT mais agressivos (no sentido de que se manifestam, fazem atos e enfrentam a tradição e a faculdade) têm integrantes ameaçados de morte. Amigos – inclusive entre os que conheço – já tiveram que sair de perto de repúblicas porque seus moradores começaram a reclamar de um beijo na rua, como se o espaço público também fosse deles. “Respeita a casa, faz isso em outro lugar!”, como ouviu meu amigo. Para eles, é como se ele estivesse ficando com uma das namoradas da república. Um desaforo, não uma demonstração de afeto. E tudo isso vindo de pessoas com menos de 30 anos.


Como nada realmente fica parado, felizmente as coisas estão melhorando, embora a passos lentos. Grupos no Facebook ajudam gays a se conhecerem e se protegerem – tanto da homofobia quanto da rejeição das repúblicas. Mesmo dentro da Engenharia, um grande grupo nacional se mantém unido para integrar os homossexuais no ramo e fornecer apoio. Repúblicas – em especial as particulares, com uma excessão entre as federais – começaram a mudar de atitude e se tornar mais inclusivas. Movimentos sociais pequenos começam a tomar forma e timidamente aparecer em janelas dos prédios da faculdade, embora a mesma não tenha o menor interesse em ajudar. Infelizmente, a UFOP não é uma faculdade que conta com palestras sobre inclusão social ou integração, e aparentemente isso não vai mudar tão cedo.

Repúblicas gays começaram a surgir. São poucas, menos ainda com nome, e passam pela cidade dividindo espaço com as que ali estão para os heteros. Se eles soubessem quantos dos seus vizinhos poderiam ser amigos deles, o quanto as repúblicas poderiam ser maiores e mais fortes, mais diversas e interessantes, talvez não prezassem tanto pelo retrocesso. A infelicidade é a realidade atual, onde gays se escondem e heteros se afastam, onde a segregação anda em alta – por um lado como instinto de autopreservação, por outro como repulsa ao estrangeiro – e onde o futuro não parece tão promissor ainda.

Não só os heteros podem ser responsabilizados pelo cenário atual, mas também os gays. Em todos os lugares onde já vivi – inclusive no Pará -, a sexualidade era algo tranquilo de assumir, algo pessoal com que ninguém se importava, fosse uma ou outra. Gays fazem parte da sociedade, sempre fizeram, e ultimamente não têm tido medo de se afirmar. Era de se esperar que uma cidade universitária seguisse o exemplo assim como outras mais inclusivas – só em Minas Gerais temos Diamantina, Lavras e Viçosa como exemplos claros de que diversidade não piora nada – mas não é o caso. Em Ouro Preto, no entanto, as coisas não têm sido as mesmas, de um lado pela tradição forte que não tolera os gays, do outro pelo medo de jovens homossexuais de enfrentar mais rejeição, antagonização e isolamento por simplesmente serem quem são. Todos saem perdendo.


Se você é heterossexual, homem ou mulher, ou se você é gay, no armário ou assumido, lésbica ou transexual, o que você pode fazer é sua parte. Não custa nada reclamar de um comentário homofóbico. Não tem problema questionar por que sua república não aceita pessoas diferentes. Ninguém vai achar que sua casa é toda gay por um dos moradores ser. Os gays não vão te morder, provavelmente está ali só um ser humano que pode acabar se tornando um amigo. A tradição não precisa ser perdida só por precisar se tornar mais tolerante e contemporânea. E enfim, seja um ser humano decente: trate os outros como gostaria de ser tratado. Respeite, tenha consideração e ponha-se no lugar do outro. Responsabilize-se. Cresça. Estamos aqui para estudar e para nos tornarmos pessoas melhores. A situação de Ouro Preto, como está, não ajuda nessa tarefa.

Como mensagem final àquele ou àquela que se sentiu ofendido(a) ou ameaçado(a) com esse texto, uma informação de consolação: relaxa, podia ser pior. Enquanto aqui ainda estamos tentando resolver nossa cabeça para aceitar homossexuais, uma fraternidade americana aproveitou uma excursão para cantar no ônibus sobre como nenhum negro jamais fará parte de lá. Podemos ser atrasados, mas tem gente mais atrás ainda, né?

Boa sorte, Ouro Preto. E boa sorte pra mim, que passarei os próximos 5 anos enfrentando essa cidadezinha parada no tempo, que mesmo depois de 400 anos ainda não conseguiu vencer o preconceito.