Por que tanta gente odeia o Bolsonaro e seus seguidores?

Bolsonaro é um político que gosta de agradar uma maioria, só que a maioria dele é só a que ele inventou. Tem um segmento do país que gosta muito dele: pessoas que querem ter mais liberdade para portar armas (e as empresas que as fabricam), pessoas que não concordam que o país seja laico, mas cristão (e que as outras religiões não tenham direitos garantidos), que homossexuais e transexuais não tenham os mesmos direitos que as outras pessoas (porque na cabeça dele são doentes que não contribuem para o país), e que negros pobres estão nessa situação porque são incompetentes (e não porque a sociedade os empurrou para isso após o fim da escravidão). Ele considera que as mulheres devam ficar em casa e caladas quando sofrerem abusos e agressões. Além disso tudo, ele considera que todos os nordestinos são pessoas vagabundas que só dependem de assistencialismo e não produzem para o país.

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A questão é que os LGBT, os negros, os pobres, os nordestinos, as mulheres e as pessoas de religiões minoritárias são, sim, minorias, mas somadas elas se tornam uma maioria. Lembremos que Bolsonaro venceu as eleições no segundo turno com 55,13% dos votos válidos. Do total de votos, 21,3% não compareceu às urnas e 9,57% dos votos foram nulos ou brancos, ou seja, quando ele venceu, apenas 38,11% dos brasileiros votaram nele. Os outros 61,89% não o queriam como presidente ou não eram necessariamente apoiadores.

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Existem pessoas que não querem que a Amazônia seja desmatada desenfreadamente, sem regulamentos ou Reservas Florestais. Os índios, que também são brasileiros, com RG e CPF, também são eleitores e estão sendo ativamente caçados e mortos por apoiadores de Bolsonaro. O presidente deu as costas para eles, então obviamente os índios têm todo direito de odiá-lo.

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Existem pessoas que não querem ser agredidas fisicamente por se relacionarem com pessoas do mesmo sexo, e essas pessoas também querem que se tornem leis os direitos à adoção e ao casamento, bem como a proibição da LGBTfobia para que esses ataques acabem. Todas essas coisas foram garantidas, mas ainda não são leis. Bolsonaro incentiva pessoas que vão contra os direitos desse grupo e virou as costas para eles, então obviamente os gays, lésbicas e transexuais têm todo direito de odiá-lo.

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Existem pessoas que buscam a igualdade entre diferentes etnias e religiões, e para isso há a lei contra a intolerância religiosa e as cotas universitárias para negros e estudantes das escolas públicas. Essas pessoas querem as mesmas chances de sucesso do que os ricos, que têm acesso às escolas particulares e estão tendo aulas online agora para assistir no computador enquanto filhos de faxineiras ficam sozinhos em casa com apenas um celular para estudar. Bolsonaro não concorda com cotas e acha que essas crianças devem ficar na classe social onde estão, portanto os pobres têm todo direito de odiá-lo.

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Se eu continuar dando exemplos aqui, vai ficar grande. Acho que quem quiser entender, já pegou a dica.

Por que tanta gente odeia Bolsonaro? Porque ele virou as costas para a maioria dos brasileiros, achando que todos seriam minorias isoladas, e se tornou um presidente para apenas aqueles que concordam com ele. Porque ele espalha notícias falsas e agride diversos grupos de brasileiros sem consequências. Porque ele está desrespeitando os outros poderes políticos e sendo oligárquico com seus filhos e com a aparelhagem do Rio de Janeiro.

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Além de tudo isso, também fica difícil não odiar o Bolsonaro quando você tem um familiar que morreu de Covid-19 enquanto ele fica repetindo “cloroquina” e saindo por aí sem máscara. Por enquanto, isso não é o caso de todo mundo, mas pela tendência da doença, logo seremos todos um desses brasileiros. Muitos policiais já deixaram de apoiá-lo porque correm muito risco na profissão e já perderam colegas para a doença. Dessa forma, até dentro dos poucos grupos que restam ao presidente como apoiadores, alguns já começam a ficar bambos.

Então fica aí. Sem nem falarmos de esquerda ou do PT, sem nem precisar ser alguém intitulado esquerdista, se focarmos APENAS nas grandes contribuições de Jair Messias Bolsonaro, sobram motivos para não gostar dele.

Onde fica a diferença entre celebrar uma cultura e apropriar-se dela?

Leia minha resposta original no Quora.

Pessoalmente, vejo dessa forma: se uma pessoa viajou para a África e comprou uma dashiki porque achou belo e gostaria de exaltar a cultura africana — avisando para outras pessoas de onde aquilo vem, por que é do jeito que é e onde foi comprado — enxergo como uma celebração. Da mesma forma, pode-se ir ao México e comprar um sombrero ou levar uma calça de capoeira do Brasil para fora e todos os usos serem uma forma de exaltar a cultura dos locais de origem.

O que eu considero apropriação cultural é o que a Kim Kardashian tentou fazer. Ela lançou uma linha de espartilhos e roupas que emagrecem a figura feminina. Até aí, tudo bem. Mas qual o nome do produto? Kimono!

Não satisfeita em tentar usar o nome de uma das roupas mais tradicionais do Japão, ela ainda tentou patentear o nome. Os japoneses, entrevistados por um canal de YouTube, acharam graça e ridículo que uma ocidental fosse tentar fazer algo do tipo, mas não se importaram muito. Já outras pessoas, que realmente monitoram o que seria considerado apropriação cultural, criticaram muito a ideia da Kim.

Eu, pessoalmente, considero isso uma palhaçada.

Outro ponto de vista sobre a apropriação cultural é a percepção por algumas pessoas de que certos estilos e atributos de culturas minoritárias sejam somente considerados bacanas quando pessoas brancas as fazem virar moda.

É por isso que, quando você pesquisava “afros bonitos” no Google, a maior parte dos resultados era de mulheres bonitas fazendo tranças, e ao pesquisar “afros feios”, só apareciam mulheres negras usando os mesmos estilos.

Felizmente, com a onda de valorização dos cabelos negros e vários penteados se popularizando, essa realidade mudou. Infelizmente, em inglês a diferença ainda é evidente (basta buscar por “pretty braids” / “ugly braids” e você verá esse efeito).

Pode realmente machucar uma pessoa quando ela vê parte da cultura de seu povo recebendo elogios apenas quando é reproduzida por pessoas que não fazem parte dela, enquanto você é visto(a) como alguém que enfeia a mesma cultura. Passa a mensagem de que seu povo não merece atenção ou respeito.

Quem está por trás do site Homens de Bem (Realidade)

Atualização (02/05): ambos os sites saíram do ar.

Muita gente já leu, já ouviu falar ou já compartilhou com os amigos para aumentar as denúncias contra o site Homens de Bem. O site é realmente revoltante, e conta com textos a favor da brutalidade contra homossexuais, estupro corretivo em lésbicas, o papel da mulher como somente uma mantenedora da casa entre outras coisas que já foram normais, mas hoje são absurdas. Contando aqui não dá para ter noção da violência textual do blog, e se você não conhece, só deve estar imaginando que é mais um blog a favor do conservadorismo no teor do casal Jair Bolsonaro e Marco Feliciano. Não é.

HomensdeBem1

Incontáveis comentários no blog refletem o que a maioria das pessoas têm vontade de fazer ao ler os textos: “Se eu te encontrasse na rua, te meteria uma porrada e acabaria com você.” Então, afinal, para dar nome aos bois, quem é que mantém o maldito site Homens de Bem?

A resposta é um pouco mais complicada do que você gostaria: o autor é o “Anonymous”. Não é exatamente aquele grupo ativista da internet que hackeia sites do governo e já fez manobras cibernéticas decisivas, nem é exatamente aquele pessoal que coloca a máscara do Guy Fawkes e participa de protestos pelo mundo inteiro. Ao mesmo tempo, o autor do Homens de Bem é exatamente o Anonymous. Antes de você entender por quê, preciso explicar um pouquinho sobre as origens desse movimento.

anonymous

O Anonymous começou em um fórum de discussões chamado 4chan, que começou como um local de debate entre fãs de anime e se expandiu para várias áreas de interesse e outras besteiras que o pessoal da internet gosta de fazer (reunidas, especialmente, no fórum para coisas “aleatórias”, o /b/). Deste lugar surgiram os memes, as vinganças virtuais (como enviar dezenas de pizzas para pessoas que foram declaradas culpadas por motivo ou outro no tribunal da internet) e o célebre movimento social Anonymous, que ganhou o nome justamente pela forma como o 4chan funciona: todas as pessoas que interagem ali têm a anonimidade mantida, a não ser que decidam se identificar.

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O site definitivamente não é para qualquer um. Algumas seções continuam funcionando com o objetivo inicial, debates sobre seriados, desenhos e filmes entre pessoas que usam tudo isso como válvula de escape. Ali e nas outras partes do site, há adultos, crianças, gordos, magros, tímidos e extrovertidos, mas ninguém sabe quem é quem, e por isso a linguagem é extremamente honesta e direta. Por conta disso, o racismo, sexismo e homofobia são óbvios e declarados. Anônimos que se declaram mulheres devem imediatamente mostrar os peitos ou sair fora. Isso devido à crença no site de que mulher não tem o que acrescentar. Negros e gays também não são bem vistos, e embora existam três fóruns para os LGBT, as outras seções do site não querem saber disso.

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Estou contando tudo isso para entenderem melhor de onde o Anonymous saiu. Saiu desses usuários. Nem todos são pessoas ruins, e a ideia de fazer o bem com a anonimidade da internet saiu de algumas pessoas boas de lá. Estes indivíduos anônimos aproveitaram esse ideal libertador do mundo online para criar um movimento sem rosto, líder ou nome. E portanto, os usuários do 4chan e qualquer entidade anônima da internet fazem parte do Anonymous. Além de não ter os atributos que já citei, esse movimento também não tem forma.

Afinal, então, quem comanda o Homens de Bem? Um usuário do 4chan. A menos que o site seja propriamente invadido para tentar extrair qualquer informação que for da pessoa que ali escreve, tudo que saberemos vai ser isso. Não dá para saber quantos são, nem de onde são a não ser que algo conste no cadastro daquele blog. E de onde vem a conclusão de que é um usuário do 4chan? Simples: o disclaimer que o blog foi forçado a exibir.

Como alguns devem saber, o Homens de Bem foi fechado por algum tempo graças às denúncias de milhares de internautas, inconformados com o teor dos posts. A polícia, surpreendentemente, fez o seu trabalho e ordenou o fechamento. Mas o site voltou, e deve ficar por lá. Não fez sentido para ninguém, até que viram o disclaimer que integrou o blog. Este é o texto:

The stories and information posted here are artistic works of fiction and falsehood. Only a fool would take anything posted here as fact.

Se você está se perguntando o que isso tem a ver com o 4chan, eu explico: esta é exatamente a mesma mensagem que consta no site americano. Basicamente tentando ilustrar que, graças ao fato de todas as pessoas ali serem anônimas, uma grande porção do que é escrito, contado ou compartilhado provavelmente não tem nem um fundo de verdade. São criações para chocar, assustar ou fazer rir. E foi exatamente isso que o Homens de Bem quis fazer. Chocar as pessoas com a mentira.

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Veja a tradução:

As histórias e informações postadas aqui são obras de ficção e falácia. Só um idiota tomaria qualquer coisa postada aqui como um fato.

Eis, então, o mistério resolvido. Nada daquilo representa as opiniões do autor do Homens de Bem ou, se representarem, o disclaimer o garante a tal da licença poética, já que ele afirma que nada é verdade. Ele escreveu aqueles textos, cheios de ódio e de absurdos para chocar as pessoas e deixá-las inconformadas, depois rir disso e mostrar para os amigos como ele foi capaz de influenciar um coletivo enorme de pessoas na internet, gerando repercussões nas redes sociais, nos e-mails, na mídia convencional e mesmo na vida real das pessoas. Fomos todos trollados. Categoricamente.

O que tirar disso tudo? Bom, não muito. Apesar de tudo ser falso, as mensagens ainda estão lá, e sabemos que o nosso país tem pessoas que realmente pensam daquele jeito e concordam com o ódio simulado naqueles posts. Isso significa que cada vírgula postada ali tem o poder de influenciar conservadores doentes preconceituosos a tomar atitudes ou transmitir ideias que podem causar danos a pessoas e à nossa sociedade como um todo. O blog foi criado para um cara rir às custas da inconformidade dos leitores, mas pode trazer repercussões extremamente negativas, especialmente levando-se em conta o cenário social em que estamos hoje.

HomensdeBem2

A motivação por trás do meu post foi explicar um pouco do que aconteceu com esse episódio na internet brasileira, tentar acalmar os ânimos de pessoas que realmente acham que existem seguidores daquele blog e de pessoas que ficaram com medo de que a impunidade reine eterna na internet. Nem sempre é assim, e o blog teria sido definitivamente retirado da internet se não fosse uma brincadeira de mau gosto.

Infelizmente, não há muito que podemos fazer. Continuar denunciando o site não fará muita diferença pois a justiça já declarou o disclaimer como o suficiente, e as mensagens postadas ali não refletem as opiniões verdadeiras do autor (ou talvez reflitam, mas ele sempre reservará o direito de dizer o contrário e manter-se anônimo). Os posts continuarão tendo o poder potencial de influenciar pessoas incapazes de aceitar o diferente, pessoas capazes de se tornar perigosas.

Uma dica para qualquer leitor que tenha lido até aqui: esse blog não é tão chocante comparado com o que pode ser dito no 4chan, e isso até explica um pouco a postura completamente “foda-se” do autor do Homens de Bem. É um site realmente livre com pessoas que pensam de todas as formas possíveis e muito do imoral, ilegal ou simplesmente nojento passa por lá. Sexualidades, fetiches, mortes, ideologias, preconceitos, desinformações. O 4chan é um site único pelo seu poder de influenciar toda a internet e, com isso, trazer frutos positivos e revolucionários, como o Anonymous. Mas também mostra um lado obscuro da humanidade que nem todas as pessoas são capazes de engolir. Visite com um estômago forte.

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Para concluir o post, vale perguntar-se: qual o sentido de transtornar por prazer? Por que alguém iria a tais extremos para confundir e chocar as pessoas? Será que vale a risada? Bom, pode ser que o autor nem esteja rindo de quem acreditou (e ainda acredita), pode ter sido simplesmente pelo prazer de fazer-se capaz de influenciar as pessoas tão fortemente com relativamente pouco esforço. Esse é um “poder” que algumas pessoas buscam e que as trazem satisfação.

A foto do Edgar Allan Poe remete a uma das leis da internet (e da vida real, até certo ponto), popularmente chamada de “Lei de Poe”. Ela se dá quando alguém faz um discurso tão absurdo que você fica na dúvida se aquilo é uma piada ou se a pessoa está falando sério. E isso é feito de propósito pelos escritores. Poe foi pioneiro nisso. Pessoas como Fred Phelps, um dos homofóbicos mais notórios dos EUA, às vezes são citados como possíveis utilizadores da Lei de Poe, como alguém que fala coisas tão fora desse mundo que, na verdade, pode ser somente uma tentativa de descreditar os verdadeiros homofóbicos.

Fred Phelps falando a verdade ou não, agora sabemos que o Homens de Bem não existe para falar sério. Pelo menos o disclaimer nos faz pensar que não. O verdadeiro objetivo da “brincadeira” nunca será claro.

Atualização: o site foi retirado do ar.