É possível que o radicalismo venha de fora?

Nesta semana, o The New York Times publicou uma notícia informando que o Facebook fará uma atualização com uma ferramenta que permitirá que os usuários descubram se foram vítimas de propaganda política falsa criada e compartilhada por agentes russos com o objetivo de desestabilizar e radicalizar os discursos durante as eleições presidenciais dos EUA.

Segundo a publicação, 29 milhões de americanos viram conteúdo falso publicado por russos no Facebook diretamente na timeline, 126 milhões de pessoas viram conteúdo compartilhado e 150 milhões de pessoas foram expostas às informações quando o Instagram é considerado. Isso significa que quase metade da população total americana visualizou de alguma forma notícias falsas criadas por uma nação do outro lado do mundo.

Uma das notícias falsas da eleição americana. Yoko Ono dizendo, “Eu tive um caso com Hillary Clinton nos anos 70.” Fonte: Heavy.com

O termo fake news entrou em cena desde então, com a ascensão de milhares de sites ao redor do mundo com a única função de criar notícias falsas, inflamatórias ou exageradas, com o objetivo de enganar, confundir ou radicalizar as pessoas comuns. Aliada a essa força do mal, indivíduos no WhatsApp criam absurdos e desinformações para compartilhar com familiares e amigos, um lugar onde as pessoas se tornam muito mais suscetíveis ao problema.

WhatsApp é mais alarmante no Brasil por contar com uma socialização que envolve pessoas acostumadas e desacostumadas a usar a internet. Dentro de grupos familiares, uma história bem escrita compartilhada com negritos e emojis por um sobrinho apoiador do Bolsonaro ganha mais confiança e simpatia dos tios e avós pelo fato de o sobrinho estar compartilhando, e dentro daquele ambiente familiar. Com incentivo de levar a mensagem adiante como se fosse uma verdade que precisa ser exposta ao mundo, à modelo das antigas correntes de e-mail e Orkut, esse modelo de desinformação tem causado grandes transtornos, como mentiras contadas sobre Jean Wyllys, o programa de televisão que será encabeçado por Pabllo Vittar, a exposição Queermuseu de Porto Alegre e, para não dizer que o problema só está em opiniões de direita, os “fatos” inflamatórios sobre figuras queridas dos conservadores brasileiros, Alexandre Frota e Jair Bolsonaro.

Uma das obras causadoras de polêmica da exposição Queermuseu. Crianças podem ser gays? A resposta óbvia é que sim, mas alguns setores não aceitaram. Fonte: JornaLivre

O que nos leva ao título: será que as origens de tudo isso são mesmo os próprios brasileiros? Segundo artigo com várias estatísticas publicadas pelo El País Brasil, nossa nação já não é tão conservadora assim. Mais de 70% dos brasileiros hoje aprovam não só o casamento entre pessoas do mesmo sexo como também a adoção. A voz e a luta contra o racismo e desigualdade entre os sexos também ganhou e continua ganhando muita força, tanto entre os jovens quanto entre os mais velhos, que têm mais dificuldade em aceitar grandes mudanças na sociedade. As regras estão mudando sobre o que é ou não aceitável nas conversas cotidianas. O brasileiro está se aproximando rapidamente do que é o ocidental, especialmente com o advento da internet.

Não é novidade alguma que exista um setor conservador na sociedade, em qualquer sociedade afinal, especialmente na classe média. Ultimamente se tornaram mais audíveis e escandalosos com os casos que todos já conhecem, mas não aumentavam em volume até que pessoas jovens começaram a se enxergar em discursos radicalizados e preconceituosos, com o viés de que isso os tornaria pessoas mais respeitáveis e “de bem.” Páginas como o “Orgulho de Ser Hétero” dão cabo a isso e insistem aos influenciados que ser preconceituoso com mulheres e homossexuais fará deles homens mais masculinos e completos. Qualquer análise maior sobre as postagens lá dispostas mostra o contrário. Dos comportamentos imaturos dos seguidores ao conjunto raso de ideias que cultivam ao preconceito injustificado contra o gênero com o qual se relacionam.

O discurso típico do masculino exagerado, onde as obrigações e direitos de cada um no relacionamento são aparentemente diferentes. Fonte: Orgulho de ser Hetero / Facebook

Mas e se tudo isso nem foi gerado aqui? Até o ano de 2014, era raro ver organizações e grupos que difundiam o preconceito e a segregação na rede. As pessoas pareciam todas estar conversando sobre assuntos que mereciam ser discutidos, e o nível dos debates e das questões estava crescendo. Com essa onda, muito melhorou no funcionamento da sociedade e no respeito em geral, tanto falando de religião como de orientações ou gênero. O brasileiro se tornou mais informado na política e nos seus direitos. Agora a coisa parece estar se desenrolando.

Facebook se comprometeu a contar para os americanos o que eles viram de falso, fabricado pelos russos. Mas o Facebook também sabe que as fake news e as radicalizações estão acontecendo por aqui. Só que ninguém fez a pergunta, ninguém suspeitou de nada, e eles não têm obrigação de contar. Quem criou? Por quê? Será que não existem interesses e mãos ocultas por trás de formadores inflamados de opinião, como o MBL, onde um negro defende o fim de direitos de seus pares? O que garante que os próprios EUA, a Rússia ou vizinhos interessados em determinadas riquezas brasileiras não possam ter interferido nas nossas opiniões políticas, conduções no Congresso e no Senado, nas eleições? Quem garante que isso não possa acontecer no ano que vem? Quais precauções o Facebook de fato tomaria nesse caso?

O ápice da esquizofrenia ideológica pode simplesmente ter sido importado. Casos e falas parecidos foram vistos nas eleições dos EUA. Fonte: MBL

É hora de começarmos a nos questionar: fomos nós que criamos nossos radicais conservadores, que hoje gritam e esperneiam tentando fazer o brasileiro de verdade acreditar que eles são a maioria ou o retorno da sanidade? Ou será que é uma massa influenciável da nossa população sendo manipulada em prol de um objetivo oculto?

De toda forma, se você estiver aflito(a) (como eu também estava), fique um pouco mais tranquilo(a). A porcentagem de brasileiros que se deixam levar por essas ideologias extremistas e segregacionistas é relativamente pequena, a maior parte de nós continua sã. Que façamos nossos votos refletirem isso em 2018.

A polarização do Brasil está te assustando? Tenho uma sugestão.

Para ambos os lados das correntes de pensamento em nosso país e no mundo, há uma sensação de insegurança. Enquanto aqueles ditos “esquerdistas” se preocupam com o bem-estar de minorias historicamente amordaçadas, os “conservadores” se preocupam com a manutenção da sociedade dita padrão. Os argumentos e as acusações criaram um sentimento de cabo-de-guerra, onde todos acusam os outros com um “Vocês!” Em pouco tempo, pelos acontecimentos e mudanças de foco, os dois grupos foram se fragmentando entre outros mais específicos que também brigam entre si.

De um lado, existe a feminista que não aceita os LGBT como aliados, afinal transexuais invadem banheiros femininos e gays só pensam em si mesmos. Do outro, há liberais amantes do sistema capitalista que veem os evangélicos como uma ameaça tão grande ou pior do que a dos muçulmanos. Em uma página no Facebook critica-se a propaganda da Dove como uma das maiores ofensas já feitas a negros em um comercial em muito tempo. Na página ao lado, vários dizem que “a maldade está nos olhos de quem vê”. A respeito do fato que se sucedeu no MAM de São Paulo, basta inverter: os ditos conservadores veem aquilo como uma das maiores afrontas da arte moderna de todos os tempos, os de esquerda veem como uma manifestação da liberdade individual e artística.

A questão é que nem todos. Nem todas as pessoas de esquerda levaram como pouca coisa a exibição artística, e condenam a mãe da menina e o artista de permitir a entrada livre. Nem todos os conservadores estão despreocupados com ofensas raciais. Nem todos os evangélicos acham que o país inteiro deve converter-se. Nem todos os homossexuais ignoram a dificuldade que as mulheres passam. A questão é que todos estes movimentos, grupos, pensamentos, têm esquerda e direita dentro deles, têm pensamentos individuais, têm pontos de vista e senso crítico inseridas neles, se confluem em locais de trabalho, em rodas de amigos e em encontros familiares, e é assim, com contato, convivência e entendimento, que opiniões mais fortes e bem formadas se criam.

Há muitos fãs da personalidade Nando Moura no YouTube hoje em dia. Ele é visto por muitos como um fascista da direita, por outros como um líder, e por mais alguns como um simples idiota. O problema do Nando Moura, na minha opinião, não é o posicionamento que ele toma em suas opiniões e na forma de ver o Brasil, mas no fato dele convocar seus seguidores ao boicote e a ignorar todos os outros pontos de vista, usando da mentira e do exagero para isso. Ele instiga pessoas que precisavam absorver mais conhecimentos – de forma plural e isenta – a não assistir, não consumir, não entender coisas com as quais ele não concorda ou não entende. Em um vídeo, ele convida seus seguidores – muitos deles jovens – a nunca mais assistir a Globo por ela fazer lavagem cerebral. Em outro, relaciona a ideia de meninas poderem brincar de superheróis e meninos de boneca a um “pênis de brinquedo” ser o próximo passo, dando a entender que mais liberdade para crianças brincarem estaria relacionado à pedofilia. Esse é o ponto perigoso do fascismo.

O ponto onde quero chegar é que você pode encontrar amigos e conhecimento em qualquer lugar que for, com qualquer brasileiro que houver.

Não considere os pobres do Nordeste como “vocês que votaram na Dilma”. Se tiver oportunidade, conheça alguém de lá que passou por dificuldades e pergunte por que pensa assim. Não precisa concordar, mas entendendo você vai poder formar uma opinião mais completa sobre o motivo pelo qual discorda, além de criar um laço com aquele grupo de pessoas.

Admita, o Nordeste tem estilo.

Não considere os LGBT “vocês degenerados”, procure trocar ideia com o colega ou a colega de trabalho que são gays e pergunte como foi sair do armário pra família, e por que acham tão importante fazer manifestações chamativas. Podem não querer ir na próxima Parada, mas provavelmente conquistarão um amigo e verão que não faz parte dos “planos” do grupo instaurar a pedofilia. Aliás, aqui devo frisar, lembremos que a pedofilia é um problema em todas as classes sociais e sexos da nossa sociedade. Todos devemos estar unidos contra ela, não jogando a culpa em determinados grupos.

Não considere todos os evangélicos “vocês pregadores incansáveis que querem destruir terreiros”. Existem sim pessoas assim, mas existem evangélicos que desafiam suas próprias congregações apoiando filhos LGBT ou criando alianças com terreiros e igrejas católicas em busca de prover mais para pobres, viciados e serem solidários. Existem missões benéficas que não agridem ninguém, e existem pastores que gastam até o último centavo para ajudar seus fiéis.

Não considerem todos os negros “vocês sanguessugas do governo”. Procure dados sobre o assunto e a demografia do país, a história das famílias, procure seus amigos negros e pergunte se podem te contar um caso de racismo e como eles se sentiram. Tenho certeza que seu pensamento, mesmo que um pouquinho, pode acabar sendo mudado com o toque da percepção.

Não vejam todos os conservadores como “vocês fascistas da censura”. Existem pessoas que realmente se preocupam com jovens pensando em sexo muito cedo, ou deixando as formalidades de lado, ou deixando de pensar em formar uma família. Entenda que existem conservadores LGBTs, existem conservadores pobres, existem conservadores negros e existem evangélicos liberais. Entenda que até você deve ter algo de conservador aqui ou lá, seja pela criação ou pelos valores próprios que criou com o passar da vida.

Todos nós temos um pouco da esquerda, da direita, do conservadorismo, do liberalismo, do bem-estar social e do individualismo em nós. Em cada um, esses sentimentos são diferentes, e em cada um se manifestam de forma diferente. Nada desses pontos de vista é partidário, é somente nosso. O Brasil não são “vocês”, “vocês”, “vocês”, e sim “nós”, “nós, “nós”. Em cada grupo que você acredita odiar, existe alguém com um inimigo em comum seu.

Minha sugestão, minha dica para dias mais calmos, menos pessimismo e maior abertura para dialogar com as pessoas ao seu redor e se sentir menos em perigo é que você procure as pessoas e atitudes que realmente não adicionam nada a ninguém e se afaste. Se você percebe que a pessoa mente para manipular outros, pesquise aquilo que parece loucura demais (“Gays comem criancinhas!!”) antes de acreditar e levar adiante. Há muitos agentes do mal por todos os lados, do feminismo ao califado.

Se quer chamar alguém para conversar e te entender quando percebe que a pessoa não conviveu com algo que te define, não acuse-a de ser algo ou fazer parte de algum grupo. Apenas entenda que em determinado ponto vocês não concordam. E se for para continuarem não concordando, apenas tente entender por quê. E não tente impedi-la de nada, apenas deixe-a seguir a vida.

No calor do momento, quando queremos que nosso time vença mais que tudo, repetimos discursos sem realmente defendê-los porque entendemos que há força em números. Condenamos grupos inteiros de brasileiros porque alguém nos disse que eles querem instaurar o caos. Nos fechamos em grupos isolados porque não queremos ouvir outros pontos de vista. É isso que nos dá aflição e faz o diferente parecer tão ameaçador e violento.

Sei que ainda cometerei muitas vezes o erro de enxergar um grupo e vê-lo com maus olhos ou achar que estão contra mim, mas é um exercício que estou fazendo de tentar evitar essa forma de ver as coisas e pensar em como alcançar pessoas que não concordam com minha forma de ser ou minhas opiniões e entendê-las, para quem sabe estarmos juntas no futuro. Precisamos estar unidos se vamos fazer boas escolhas no ano que vem. Se não…

Não sei “vocês”, mas é como penso. Deixem suas opiniões nos comentários!

A Voz do Ódio (1943): O que fazer quando se ouve um discurso fascista?

O mundo de hoje parece estar cada vez mais dividido, com discursos radicais se espalhando por todos os lados, tanto aqui no Brasil quanto nos EUA e na Europa. Mas já vimos isso acontecer uma vez antes, durante a Segunda Guerra Mundial. Este vídeo feito pelo Departamento de Guerra dos EUA em 1943 infelizmente recupera sua relevância e nos mostra que devemos ter empatia, mesmo quando os alvos são os outros.

Veja o vídeo legendado abaixo.

Segundo período na UFOP… O que mudou quanto à homofobia?

É difícil começar esse post porque tem várias coisas que posso comentar. Há pouco mais de seis meses eu era um calouro nessa universidade e ainda estava conhecendo tanto o espaço acadêmico quanto as relações sociais da cidade e das repúblicas. Muitas das impressões que eu tinha mudaram, mas muitas continuam. Posso dizer, logo de cara, que se eu tinha vontade de batalhar no começo, agora eu teria mais vontade ainda. Conhecer diversos homens e mulheres de várias repúblicas, casas, apartamentos e regiões da cidade me fizeram ter ainda mais respeito e admiração pelo sistema que existe aqui e por algumas de suas tradições. Muita gente já tem noção, mas pensando nos que estão chegando ou nos que pensam em vir, seguem algumas das minhas impressões:

  • Ex-moradores sempre voltam. É emocionante ir em um aniversário de uma república (especialmente as mais antigas) e ver gente mais velha (tipo, seriamente mais velha) voltando para tomar uma cerveja, contar histórias, comparar momentos e integrar gerações e gerações de pessoas que têm uma mesma casa, os mesmos hinos em comum;
  • O companheirismo serve para tudo. Perrengues, estudos, rocks, pegação. Tem muita gente que acaba entrando nas prioridades erradas, mas a maioria das pessoas que se tornam irmãs em uma república são realmente irmãs. E isso segue além da casa, criando amizades que não vão embora e muitas, muitas histórias para relembrar. O companheirismo da UFOP chega a ser quase maçônico, porque ser de uma república significa que as pessoas que moraram ali com você estarão sempre por perto (mesmo que longe) para te ajudar, seja profissionalmente, economicamente ou de qualquer forma que for. Os ex-alunos também. Tudo acaba se tornando uma rede de apoio que te segue a vida inteira e traz retornos que pouquíssimas outras faculdades podem garantir;
  • O convívio com pessoas diferentes na mesma casa trazem um crescimento pessoal imenso. De aprender a arrumar a casa a cuidar mais das finanças, de entender e aceitar costumes que no início podem até parecer estranhos a respeitar pessoas que já passaram por situações como as suas e podem oferecer um pouquinho de aconselhamento (valeu pai, valeu mãe!);
  • Morar em uma república com outras pessoas acaba te apresentando coisas que você nem sabia que gostava, mas acabou descobrindo: jogos de baralho, matérias que nem são do seu curso, esportes, natureza ou até mesmo áreas que você nunca achou que teria interesse (política, filosofia, coleções, gêneros musicais…).

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Dito isso, os motivos que me levaram a escrever o primeiro texto acabam por ofuscar um pouco disso tudo. Ouve-se muito o discurso de representantes republicanos prometendo melhoras, mais compreensão, diversidade e acolhimento. Enquanto muitos da faculdade pressionam pelo sistema socioeconômico nas casas da faculdade (como acontece em Mariana), muitos outros, republicanos federais e particulares, tentam lembrar os estudantes dos benefícios da tradição, da história que ela carrega para a cidade e para a UFOP. Com certeza isso é muito valioso. No entanto, embora muitos dos discursos sejam “Estamos buscando um meio termo que agrade a todos”, a realidade não parece estar se aproximando disso. O foco parece ser em melhorar as condições das batalhas dos bixos, e não em pressionar questões que muitos concordam que são mais importantes: diversidade socioeconômica, de orientação sexual, respeito e maior tolerância.

Enquanto muitas repúblicas melhoraram por conta de seus atuais moradores nas questões sociais, outras ainda acreditam que as coisas devem ficar como estão. Quando eu entrei, não existia um Spotted para entender o que se passa pela cabeça de outros estudantes, mas agora isso existe, e aqueles que acompanham percebem que ainda há muita gente nessa faculdade que não concorda que mulheres podem pegar quantos caras elas quiserem (como os caras pegam), que os gays se fazem de vítima e não procuram as repúblicas (se for mesmo o caso, por que será?) e que não há preconceito racial na UFOP. Tem muita gente que realmente acredita estar certo(a) quando diz que orientação sexual diferente da heterossexual é sem-vergonhice, e isso acaba atrapalhando tudo. Afinal, se um decano quer aumentar a diversidade de sua casa, como fazer isso com amigos que são totalmente contra dividir o quarto com alguém que é gay?

Dá pra dizer quem é gay só olhando a foto? Importa?

Foram muitas as reações desde que saiu aquele texto. Tivemos aquele bixchaço no RU (convenientemente, os republicanos federais almoçaram em casa), debates sobre homofobia, diálogos nos grupos da faculdade e nos campus, mudanças de discurso e tentativas de melhorar a situação. Infelizmente nada resultou disso. Passou-se mais um período e pouquíssimo, se alguma coisa, mudou. As mesmas repúblicas que aceitavam gays continuam aceitando, as que não aceitavam continuam não aceitando, e a sensação na cidade é a mesma. Se em Mariana um rock de Economia tem gays, heteros, republicanos, “pensionistas”, jornalistas e pedagogos, um rock de Turismo em uma república federal recebe a avaliação “Putz, estava cheio de viado.” Como se isso fizesse a mínima diferença. Na UFOP, dentro do mesmo campus, tem gente da Escola de Minas achando que Artes Cênicas nem deveria existir. O ritmo de intolerância segue, perpetuado por pessoas que não precisam sentir isso. Elas poderiam estar aproveitando muito mais conhecendo gente de todo tipo.

O cara (hétero) que levou o amigo (gay) para o baile da escola porque o amigo não tinha um par.

Acho que um pouco dessa dificuldade das pessoas de melhorar a situação em Ouro Preto vem do clima atual de discussão. Antigamente, para se preparar para um debate, um grupo contra o desmatamento lia livros sobre os pontos positivos de se desmatar, conversava com aqueles responsáveis pelos desmatamentos e desvendavam seus motivos pessoais e ideológicos. Eles pesquisavam o grupo com quem iam contra exaustivamente para que tivessem autoridade ao ir contra ele. Para um debate, uma discussão e um aumento de conhecimento, todos procuravam conhecer os dois lados. Com os algoritmos do Facebook, o funcionamento da internet e o agrupamento de interesses comuns, esse hábito foi deixado de lado. Hoje, ler Marx automaticamente torna um ser humano comunista, marxista, esquerdista, gayzista, feminazi, maconheiro. Ler sobre a teoria do capitalismo e da economia globalizada automaticamente torna esse mesmo ser humano coxinha, reaça, machista, homofóbico, racista, filhinho de papai acomodado. Não existe mais o estudo por informação. Não existe mais a busca por convivência. E por esse já ser um problema em Ouro Preto, se a questão não se estagnou, provavelmente piorou. Há uns dois anos a ideia do ser homofóbico a ponto de recusar um morador gay era algo que estava começando a ser mal visto, e hoje em dia já existem mais pessoas que passam a mão na cabeça desse marmanjo e dizem “Essa é sua opinião, não tem problema se sentir assim, pode ter preconceito! É seu direito.” Infelizmente.

Não quero me demorar tanto quanto no outro texto. Peço compreensão das pessoas que estudam comigo. Viver 4 ou 5 anos em Ouro Preto em uma república sem gays não vai impedir que você tenha que conviver com colegas, vizinhos, familiares gays no futuro. Ser preconceituoso com uma pessoa por uma questão que ela não controla (gay, negro, mulher) não é algo que está OK, não é algo que você pode ter como ideologia porque você está afetando diretamente outras pessoas, e de forma muito negativa. Não é como escolher uma camisa azul ou vermelha.

Muita gente aqui na faculdade, tenho percebido, nunca teve um único contato direto com uma pessoa homossexual. Alguns evitam isso ativamente, se afastando de um amigo que sai do armário, ou de um homem que fale de forma muito feminina, por diversos motivos. Outros simplesmente não tiveram a oportunidade até agora. Muitas dessas pessoas acabam sendo mais aversas a ter contato com pessoas de outra orientação sexual justamente por ser uma questão desconhecida. Então eu sugiro, ou melhor, proponho: conversem com alguém homossexual por cinco minutos. Se continuarem convencidos de que é completamente impossível ter uma amizade com aquela pessoa, ter coisas em comum e trocar experiências de vida, tente conversar com outra pessoa porque essa provavelmente é muito chata (de chatos o mundo tá cheio). É uma questão tão pequena, tão besta, tão pessoal e afastada do convívio social que eu te garanto, com toda a certeza da minha vida, que nesses cinco minutos você perceberá que não precisa impedir que morem na mesma casa que você. Não consigo contar nos dedos as vezes que fiz amizades até o ponto em que contei que era gay. É algo tão sem importância para uma amizade se formar que só faz diferença para alguns quando eles ficam sabendo.

Outra coisa que percebi é que realmente a maior questão para muitos homens na faculdade em relação a aceitar gays é o medo de desonrar o nome de uma casa (ou talvez pressão de ex-alunos). Bom, gente, vocês já sabem disso mas é sempre bom lembrar: muitos dos ex-alunos hoje são gays assumidos. Alguns casados. Alguns até com filhos. Eles moraram na mesma casa que você, são gays, eram gays quando moravam aí e ninguém nem reparou. Olha quanta diferença fez. Não é desonra ter um cara assumido na sua casa. Num mundo sensato, isso deveria ser motivo de orgulho. Porque sair do armário é ter coragem. É ver sua mãe dizendo que preferia morrer a ter você no mundo. Ser convidado a uma terapia cristã para uma conversão que não existe. É dar bom dia para o pai e receber de volta uma cara de nojo. Tudo isso por muito tempo até o ponto em que eles percebem que você é a mesma pessoa que sempre foi. E depois enfrentar o resto do mundo, tendo entrevistas de emprego recusadas porque você cometeu o erro de falar que tinha um parceiro e, além de tudo, o escárnio ocasional e o barulho nas redes sociais e no meio da rua. Bom, pelo menos eu passei por isso. Para alguns é mais fácil. Para outros, rola ser expulso de casa. Eu me sinto corajoso por ter admitido para todos que pretendo me relacionar com homens e que não vejo mais problema nisso. Não acho que isso deveria afetar minhas amizades, mas infelizmente acaba sendo o caso, né?

Se vocês querem mesmo melhorar, tornar a UFOP mais diversa, o aluguel universitário em Ouro Preto mais barato e nossa formação humana mais valiosa, levem adiante a ideia de que essa segregação não precisa existir. Levem adiante a ideia de que a mulher tem o mesmo valor que o homem. Comecem a enxergar os seres humanos como todos iguais, independente de tudo – passado, cor, com quem se relaciona ou qual o órgão genital. Porque no fim das contas, nós somos mesmo todos iguais. E isso não é uma ideologia política nem social. Não é esquerdismo nem querer destruir a família heterossexual. É só uma pessoa sendo boa e tolerante. E pra isso você não precisa deixar seus ideiais de lado, só precisa aprender a aceitar o diferente.

Quero mandar um agradecimento final a todas as repúblicas femininas e masculinas que passaram desse ponto e passaram a aceitar todos os calouros, verdadeiramente todos os calouros. Quero agradecer aos republicanos e republicanas que me receberam de braços abertos em suas casas e como amigo, que jogaram um truco, trocaram ideia, tomaram (muita) cerveja comigo. Aos caras que defendem quem é gay pros amigos sem medo de serem vistos como gays também (ao invés de ouvir uma zoação maldosa e olharem para o chão). Às republicanas que lutam pelas mulheres nessa nossa universidade, mesmo que agora até mesmo algumas mulheres as vejam como histéricas malucas. Agradeço aos dois que são hoje meus melhores amigos, os caras que me acolheram, moram comigo e estiveram sempre do meu lado nesse tempo todo (e que espero que fiquem do meu lado até o fim desse curso). Quero agradecer a toda a UFOP pelo melhor ano que eu já tive até aqui e por todo o crescimento pessoal e acadêmico que vieram junto. Hoje tenho certeza do que serei, e quem serei, graças a esse lugar. E é por isso que todas as minhas atitudes, convivências e ideias estarão sempre viradas para o bem de todo mundo que está à minha volta, mesmo que eu falhe de vez em quando. E é por isso, também, que quero e peço que todo mundo, todo mundo junto, faça o possível para que a UFOP seja ainda melhor nos períodos que virão. Para os homens, mulheres, pais, filhos, gays, heteros, lésbicas, trans, negros, brancos, asiáticos, imigrantes, intercambistas, ouropretanos, seres humanos que compõem essa nossa un ivers idade.

Não escreverei mais sobre esse assunto. Espero que minha formatura em 2020 seja frente a uma UFOP mais igualitária e unida. Torcerei e pautarei minhas atitudes em prol disso. Espero que não seja só eu.