Quais são os lugares mais assustadores do Brasil?

Leia minha resposta original no Quora.

Em geral? As favelas. Na maior parte delas, a polícia não pode entrar em vários pontos, a milícia faz cobranças aos comércios e moradores em troca de segurança (que, na verdade, significa garantir que suas coisas não serão destruídas e que você não será ameaçado — muitas vezes pela própria polícia), e guerras entre traficantes e policiais muitas vezes acarretam em mortes de civis inocentes.

É comum as pessoas de classe média ou alta acharem que os bairros mais pobres serão mais perigosos e com maior frequência de assaltos, e muitas vezes isso acaba sendo verdade, mas em muitos outros casos os próprios bairros de classe média tornam-se mais perigosos por conta dos assaltantes preverem recompensas maiores em um ato criminoso bem sucedido. A solução para estes casos costuma ser o aumento do policiamento nessas regiões, mas muitas vezes isso não é possível, pois nossos policiais são poucos, recebem mal e têm um treinamento raso.

Para complementar o ponto de vista, e respondendo sua pergunta mais diretamente, este é o ranking de homicídios no Brasil:

(Formato: número de homicídios para cada 100.000 habitantes, em 2016)

1° Natal / 69,56
2° Fortaleza / 69,28
 Belém / 67,41
 Aracaju / 62,76
 Feira de Santana, BA / 60,23
 Vitória da Conquista, BA / 60,10
7° Campos dos Goytacazes, RJ / 56,45
8° Maceió / 51,78
9° Recife / 47,89
10° João Pessoa / 47,57
11° São Luís / 45,41
12° Teresina / 42,84
13° Cuiabá / 42,61
14° Goiânia / 39,48
15° Macapá / 38,45
16° Manaus / 38,25
17° Vitória / 37,54
18° Curitiba / 34,92

É muito importante deixar claro que estes números não significam que essas cidades sejam invisitáveis ou que todos os seus habitantes não vivam em segurança. Nós vivemos em um dos países mais desiguais do mundo, e isso essencialmente significa que nossas cidades também são desiguais em seus próprios limites.

Um exemplo que talvez te explique isso melhor, já que é bem diferente do brasileiro, é imaginarmos a cidade de Baltimore, nos EUA. Ela tem mais homicídios do que OITO cidades na lista de cidades brasileiras acima, mas é uma das cidades mais visitadas por estrangeiros e americanos, por conta de sua cultura.

Isso nos faz pensar: não é perigoso? É perigoso? Por que as pessoas se arriscam?

A questão é que Baltimore tem essa altíssima taxa de homicídios por conta dos guetos e das brigas entre gangues. Conflitos entre bairros negros, latinos e de outras etnias, além do tráfico de drogas, causam muitas mortes e a falta da ação da polícia, que muitas vezes não se atreve a entrar nessas áreas.

Em contraponto, os EUA têm preços muito baixos de objetos de consumo em relação aos salários, então ter coisas bacanas, como um celular de primeira linha ou um carro decente, não é exclusividade dos ricos ou da classe média alta. Quase todo mundo tem.

Baltimore, portanto, tem mais homicídios a cada 100.000 habitantes que Maceió, mas Maceió dá mais medo do que Baltimore, por conta dos assaltos. Assaltos a mão armada, assaltos a carros, assaltos na praia, furtos, sequestros-relâmpago. As taxas de homicídio, na verdade, não afetam todos os turistas ou moradores, e não dizem tudo sobre o perigo de uma cidade.

Por isso que é tão difícil eu te dizer quais as cidades mais perigosas do Brasil. A resposta que eu consideraria mais verdadeira é: todas, e nenhuma.

Para o traficante, o lugar mais perigoso é seu próprio bairro, quando a polícia fizer sua invasão, ou quando a gangue rival resolver tentar pegar o ponto.

Para o favelado, o lugar mais perigoso é a própria casa, quando uma guerra começar e ele precisar comprar pão.

Para o classe média, pode ser a própria porta, se o policiamento estiver faltando e a economia estiver indo mal.

Para o rico, talvez o mais perigoso seja tentar arrumar um cargo de político que rivalize um colega de ofício ligado às milícias.

Para o índio, o lugar mais perigoso é a reserva dele, se existirem madeireiros ilegais à espreita.

O lugar mais perigoso do Brasil vai depender de quem você é na fila do pão e de onde você está enquanto isso.

Quais são os países que as pessoas costumam não gostar?

Leia minha resposta original no Quora.

Bangladesh tem uma população quase da do tamanho do Brasil, e que segue crescendo sem o maior controle em um espaço que é fração do tamanho do nosso país. Existe congestionamento, drogas, esgoto e uma completa falta de infraestrutura que faz os pelos dos braços ficarem em pé. Uma tristeza, mesmo, generalizado. Só o turista aventuroso gostaria de ir.

Iêmen

O Iêmen é um dos países mais lindos do mundo, pelas suas construções históricas e um povo muito receptivo, mas está lacrado em uma região péssima e impossibilitado de receber recursos, importar ou exportar. Estão sendo esganados, e por isso o crime cresce, a fome aumenta e tudo está definhando. Se acha que damos pouca atenção aos venezuelanos, imagina este povo…!

Níger

O Níger tem o pior IDH do mundo: só 0,354. Gangues, milícia, descontrole total do governo, conflitos étnicos, religiosos, falta de produção, educação, estruturas básicas. É o que deu errado da nova civilização. Talvez fossem mais felizes ainda em tribos. É o foco da comunidade mundial, hoje, tentar ajudar este país a ter um pouquinho de progresso.

Tem muito mais! Somália, Haiti, Samoa

Até a Rússia, e o Brasil, dependendo de onde você for, não vão ser suas melhores férias.

Liberdade de imprensa no mundo desaba ao pior nível do século

Estudo indica que a liberdade de expressão está no pior ponto desde 2000, com repórteres enfrentando violência, perseguição e dificuldades financeiras em dezenas de países.

A liberdade da mídia ao redor do mundo caiu ao nível mais baixo da última década, de acordo com um estudo que mostra que jornalistas estão sendo ameaçados por censura governamental, crime organizado e pressões comerciais causadas pelo crescimento da internet.

A Turquia passou pela maior queda na liberdade de imprensa dessa última década, mas o Brasil, Burundi, Egito, Polônia, Venezuela e Bangladesh também tiveram uma queda preocupante na diversidade e independência da mídia, de acordo com o relatório.

“Pela primeira vez, temos uma visão compreensiva e holística do estado da liberdade de expressão e informação ao redor do mundo,” diz Thomas Hughes, diretor executivo da Article 19, o grupo que faz campanha pela liberdade de expressão e produziu o relatório em conjunto com a V-Dem, uma base de dados sociopolítica.

“Infelizmente, nossas descobertas mostram que a liberdade de expressão está sob ataque em democracias e regimes autoritários.”

Os autores do relatório mediram a liberdade de expressão em 172 países entre 2006 e 2016 através de uma métrica que descreveram como a Agenda da Expressão. Ela foi baseada em 32 indicadores sociopolíticos, como parcialidade da mídia e corrupção, censura da internet, acesso à justiça, assédio de jornalistas e a igualdade entre classes sociais e gêneros.

Hughes diz que jornalistas foram ameaçados por intimidação, perseguição e até assassinato em algumas partes do mundo; houveram 426 ataques contra jornalistas e veículos da mídia no México somente em 2016. Ele acredita que o Reino Unido foi o responsável por uma das leis de vigilância mais draconianas de todas com o Ato de Poderes Investigativos, que “oferece um modelo para regimes autoritários e reduz seriamente os direitos dos cidadãos à privacidade e liberdade de expressão.”

Os autores do relatório mediram a liberdade de expressão em 172 países entre 2006 e 2016. Foto: Alamy.

A liberdade da mídia global é ainda mais ameaçada pelo crescimento da internet, porque o conteúdo online está sendo controlado por somente algumas empresas cujos processos “faltam transparência,” a pressão comercial nos provedores de notícias levou a redundâncias e cortes no investimento, e a “vasta maioria dos países,” incluindo a China, restringem o acesso a uma quantidade de páginas.

O relatório indica que 259 jornalistas foram presos no ano passado, e 79 foram mortos. Áreas de preocupação incluem a vulnerabilidade de jornalistas que relatam sobre ou criticam a “guerra contra as drogas” nas Filipinas, México e Honduras, e a intimidação e sentenças maliciosas contra vozes que se opõem ao regime de Erdoğan na Turquia.

“A liberdade global da mídia está no seu pior nível desde o começo do século,” diz o relatório.

Em Abril do ano passado, 152 jornalistas turcos estavam na prisão, de acordo com a oposição. Mais de 170 organizações midiáticas foram fechadas desde o golpe do ano retrasado, incluindo jornais, páginas da internet, canais de televisão e agências de notícias. 2.500 jornalistas foram demitidos.

Vendo por um lado mais positivo, a Article 19 diz que houveram melhorias em alguns países, como Tunísia, Sri Lanka e o Nepal, e também foi louvada a introdução de leis de liberdade da informação em 119 países.

Outro grupo, o Comitê para Proteção dos Jornalistas, alerta que “nunca houve um tempo mais perigoso para ser jornalista.” Dizem que os ataques de Donald Trump à mídia das “fake news” nos EUA estavam mandando uma mensagem para líderes autoritários de que é aceitável atacar a imprensa, o que levou às recentes críticas sobre a CNN pelo governo egípcio em relação à cobertura do ataque terrorista que aconteceu em uma mesquita em Sinai.

Robert Mahoney, diretor executivo do CPJ, diz: “Os Estados Unidos foram, tradicionalmente, um destaque da liberdade de imprensa e defesa dos jornalistas, mas uma série de retórica anti-imprensa do Presidente Trump reduz o papel da imprensa na democracia, e potencialmente põe em risco os jornalistas.

O índice classifica 180 países de acordo com o nível de liberdade disponível para jornalistas

Classificação da liberdade de imprensa em 180 países. Fonte: The Guardian / Repórteres Sem Fronteiras

“Rotular reportagens de que você não gosta como ‘fake news’ manda uma mensagem para líderes autoritários no mundo de que está tudo bem atacar a imprensa. Não levou muito tempo para o Ministério do Estrangeiro egípcio aproveitar o ataque de Trump contra a CNN International este mês para tirar a atenção da mensagem e colocar no mensageiro.”

O diretor do BBC World Service – o maior difusor internacional de notícias – alertou que o crescimento de novas potências econômicas que não apoiam totalmente a liberdade de expressão ameaçaria a liberdade da mídia no séc. XXI.

Francesca Unsworth diz: “Estamos lidando com um mundo que não acho que se importa com o valor da iluminação da liberdade de expressão como parte do desenvolvimento econômico.

“Estamos vendo o crescimento de potências econômicas no Oriente – China, Vietnã – que não tem os valores da liberdade de expressão acompanhando o desenvolvimento econômico. E acho que é um verdadeiro problema, porque se o séc. XXI pertence a estas economias, então isso definirá o futuro do mundo.”

Unsworth disse que a China estava tentando espalhar sua influência na África e no Caribe investindo na mídia local ao mesmo tempo que despende grandes gastos na melhoria da infraestrutura. “O que os chineses perceberam é que além de grande investimento na infraestrutura, também precisam investir no ecossistema da mídia dessas regiões,” diz ela.

“Então investiram em parcerias com empresas de televisão e da mídia na África e no Caribe. É uma forma deles fincarem o pé nesses países e terem algum tipo de influência nas tendências de lá.”

Jornalistas da BBC World Service enfrentam uma pressão diferenciada no Irã sobre o serviço persa baseado em Londres. Autoridades iranianas congelaram os recursos de pelo menos 152 jornalistas persas da BBC e antigos contribuidores – impedindo que eles conduzam transações financeiras ou vendam propriedades em sua terra natal – e convocaram familiares dos funcionários da BBC que moram no país para interrogatórios. A BBC apelou às Nações Unidas a respeito da conduta do governo iraniano.

Traduzido do jornal The Guardian.

Buckfast, a bebida que te torna criminoso!

Vodka e Buckfast em frente a um local abandonado na Escócia. Créditos: Jeff J. Mitchell / Getty Images

Alguns dos últimos monges beneditinos do Reino Unido, naturais de Devon, produzem um vinho tônico que muitos dizem ter gosto de xarope com chiclete de fruta. De alguma forma, ele se tornou a bebida escolhida por criminosos violentos na Escócia, a 700 km de distância.

Por £7 (R$ 30) a garrafa, o vinho tônico Buckfast não é a bebida mais barata que você pode comprar na Escócia. E com 15% de álcool, também não é a mais forte. Para a grande maioria das pessoas, seria um exagero considerá-lo o mais gostoso (Consumidores satisfeitos que o compraram na Amazon discordam, dizendo que tem gosto de “lágrimas de anjos” ou do “elixir da vida.” Um deles comenta: “Dizem que não tem propriedades medicinais. Mas tenho quase certeza que estão mentindo.”).

O que o vinho pode ser, no entanto, é o mais incendiário. Embora o Buckfast mal alcance 0,5% do volume total de vendas de álcool na Escócia, em 2015 o Serviço Prisional Escocês reportou que mais de 40% dos presos haviam bebido alguma quantidade desse vinho antes de cometerem o último crime. Desses casos, muitos foram violentos (alguns presos geniosos beberam a garrafa toda e fizeram dela uma boa solução como arma). “A Buckie me fez fazer isso” é, aparentemente, a defesa clássica.

Onde o Buckfast realmente se diferencia é na quantidade de cafeína que possui: uma garrafa de 750 ml tem 281 mg, ou o equivalente a 10 latas de Coca-Cola. A bebida seria ilegal nos EUA, onde o FDA baniu bebidas que combinem álcool e cafeína. Em 2014, a bebida Four Loko foi forçada a mudar a receita e retirar os estimulantes que deram a ela a reputação de “blecaute em lata”, para a tristeza de muitos consumidores.

Você provavelmente não deveria beber uma garrafa inteira de Buckfast, que te deixaria tão bêbado(a) quanto virar oito doses duplas, mas as pessoas certamente fazem isso. As consequências podem ser complicadas.

A receita é confidencial, supostamente conhecida somente por um dos monges de Buckfast Abbey. Em sua essência, é um vinho fortificado com sabor baunilha misturado a vários conservantes e cafeína. O maior destaque é a doçura excessiva — não precisa de açúcar para fazer esse remédio descer.

Buckfast em uma praça. Créditos: Daniel Naczk / CC BY-SA 4.0

Os monges dizem que o Buckfast tem todo tipo de fã, incluindo “idosas pequeninas” que tomam um copinho terapêutico após o jantar. Mas elas provavelmente não são os consumidores escoceses que causam grandes tumultos abastecidos por Buckie. A imprensa escocesa aponta para os “neds,” hooligans da região advindos de projetos habitacionais mais pobres em cidades como Glasgow e Dundee. O uso de “ned” como termo é às vezes controverso — políticos já disseram que é classista e degradante, e encorajaram as pessoas a não usá-lo.

Embora certamente o termo não signifique “Delinquente Não-Escolarizado” como o folclore popular sugere, as conotações são claras (em 2003, o então político Duncan McNeil sugeriu que o termo alternativo poderia ser “os caras que ficam encostados pelas ruas” ou “embaixadores do moletom de academia.”).

 

Os monges, por sua parte, não estão felizes com a conexão. No passado, ligaram a controvérsia a um sentimento antirreligioso e se negaram a prestar esclarecimentos quando o Buckfast foi motivo de títulos noticiosos sinistros. Se fosse banido na Escócia, segundo eles, os que cometem os crimes simplesmente trocariam de bebida preferida, e não é justo culpar monges do outro lado do país por abuso de substâncias. Desde os anos 90, pedem que eles mudem a receita reduzindo ou o álcool ou a cafeína; eles continuam a recusar.

Seja intencional ou não, a popularidade crescente do Buckfast na Escócia não os afeta muito — no ano passado, ganharam quase £9 milhões (R$ 38 milhões) com as vendas da bebida. E como são uma ordem religiosa, não pagam impostos por esses milhões.

Buckfast Abbey, Devon. Créditos: Peter O’Sullivan SJ / CC BY-SA 2.0

Buckfast Abbey, onde os monges vivem e a bebida é produzida, fica muitas horas distante de Glasgow. Ninguém sabe exatamente como o vinho ficou tão popular entre os desafortunados de cidades do outro lado do país. Os monges sugerem que pode ter algo a ver com os fãs tradicionalmente católicos do time escocês de futebol Celtic FC terem criado uma preferência por tomar da santa bebida como aperitivo pré-jogo nos anos 70.

Mas há evidências que sugerem que escoceses têm um gosto especial pelo Buckfast, também chamado como Suco Destruidor de Lares, Loção da Comoção, Garrafa da Briga Contra o Mundo, Speed (nota do tradutor: droga sintética em pó) Líquido ou Suco Embolador, por muito mais tempo que isso. Em propagandas de lojas de vinhos dos anos 30 em jornais escoceses, é a única bebida que fazem questão de mencionar pelo nome.

É possível que escoceses desenvolveram uma preferência pelo Buckfast pelas supostas propriedades medicinais. Em 1921, mudanças nas leis de licenciamento determinaram que álcool só poderia ser vendido entre 11:30 e 15:00, e entre 17:30 e 22:00 nos dias da semana — com a venda totalmente vetada aos domingos. Mas o Buckfast, que era vendido em farmácias como remédio além das lojas de vinhos, poderia ser comprado a qualquer momento. Até os anos 60, ele era anunciado como “um animador esplêndido que restaura o entusiasmo e brilho,” disponível em todas as melhores farmácias.

Buckfast em Buckfast. Créditos: SKIN-UBX / CC BY 2.0

Seja qual for a explicação, o Buckfast parece estar firmemente estabelecido no mundo culinário escocês, ao lado de destaques como o super-doce pudim em forma de tablete, barras de chocolate Mars fritas, e a Munchy Box (NT: uma espécie de marmita). Açougueiros dão sabor à carne com ele, lojas usam-no para vender ovos de Páscoa, e as ocorrências violentas e criminosas associadas a ele continuam a se expandir.

Enquanto isso, lá no sul, hipsters de Londres parecem a estar começando a gostar da bebida. Na taqueria e bar Bad Sports, na popular região de Hoxton, o bartender e natural de Glasgow Stu Bale mistura o vinho com gim e Campari para fazer sua criação principal, Coatbrige Negroni. “O Buckfast tem um azedinho bom e sabor de fruta, então é um substituto válido para o vermute vermelho,” disse Stu à Vice. Pode te deixar bêbado, segundo ele, mas “se souber o que está fazendo, pode fazer com que algo fique realmente delicioso.”

Texto traduzido por Cláudio Ribeiro do site Atlas Obscura.