A "Splinternet" pode ser o futuro da web

Tanto o The Economist quanto o WIRED estão preocupados sobre a “splinternet”. A organização de pesquisa britânica NESTA acredita que ela poderia “partir” a internet como a conhecemos.

O que é essa ideia de nome esquisito? É o conceito de que a experiência da internet de alguém na Turquia, por exemplo, esteja se tornando cada vez mais diferente da experiência na internet de alguém na Austrália.

Quem viaja para a China, especialmente, já está familiarizado com esse fenômeno. Graças ao controle rígido do governo, precisam usar o Baidu ao invés do Google para fazer pesquisas, e não conseguem acessar o Facebook ou sites de notícias como o The Economist e o New York Times.

Temos uma splinternet crescente por conta dos bloqueios regionais de conteúdo e a necessidade das empresas de obedecer decisões judiciais, políticas e regulamentos nacionais diversos e muitas vezes conflitantes.

A tensão fica especialmente aparente quando tratamos de sites como o Google, Facebook e Twitter. Estas plataformas têm usuários em quase todos os países, e governos estão cada vez mais insistindo que obedeçam a leis locais e normas culturais quando o assunto é acesso ao conteúdo.

A internet nunca foi realmente aberta

A ideia da internet como uma plataforma independente, global e desregulada sempre foi, de certa forma, ficção. Até mesmo no ápice da retórica tecnofuturista de que havia potencial de transcender fronteiras nacionais no fim dos anos 90, sempre houveram exceções.

O Partido Comunista Chinês entendeu desde o começo que a internet era simplesmente uma nova forma de mídia, e o controle da mídia era fundamental para a soberania e autoridade nacionais.

Mas a splinternet se refere a uma tendência mais ampla de usar leis e poderes regulatórios em jurisdições territoriais para definir limites nas atividades digitais.

Edward Snowden. Fonte da imagem: LeStudio1 – 2017/ Flickr Commons.

Um momento definitivo foram as revelações de Edward Snowden em 2013. Os documentos que ele compartilhou sugeriam que a Agência Nacional de Segurança dos EUA, através do programa PRISM, estava coletando informações de usuários de todo o mundo do Google, Facebook, Apple, Microsoft e Yahoo!.

Em países como o Brasil, cujos líderes tiveram suas comunicações interceptadas, isso acelerou movimentos que desenvolvessem o controle nacional da internet.

A lei do Marco Civil da Internet, por exemplo, agora requer que empresas multinacionais obedeçam leis brasileiras quanto à proteção de dados.

Isso é algo ruim?

Até agora, boa parte da atratividade da internet advém do fato de que ela é conduzida pelo conteúdo e preferências dos usuários, e não por governos.

Mas as pessoas estão prestando mais atenção aos discursos de ódio, abusos direcionados no meio online, extremismo, notícias falsas e outros aspectos tóxicos da cultura online. Mulheres, negros, seguidores de certas religiões e os LGBT são alvos em frequências desproporcionais.

Acadêmicos como Tarleton Gillespie e figuras públicas como Stephen Fry são parte de uma crescente rejeição à resposta típica de provedores: de que são “apenas empresas de tecnologia” – intermediários – e não podem se envolver diretamente na regulamentação de discursos.

Um relatório da Câmara de Provisões do Reino Unido sobre “crime de ódio e suas consequências violentas” apontou que:

…há uma grande quantidade de provas de que essas plataformas estão sendo usadas para espalhar ódio, abuso e extremismo. Esta onda continua a crescer em velocidade alarmante, mas continua não sendo verificada e, mesmo onde isso é ilegal, não há policiamento.

Se dizemos que o discurso de ódio “deveria ser policiado”, duas perguntas óbvias surgem: quem faria isso e qual seria o referencial?

Atualmente, o conteúdo de grandes plataformas é gerenciado em grande parte pelas próprias empresas. Os Arquivos do Facebook do The Guardian relevaram tanto a extensão quanto as limitações desta moderação.

Talvez vejamos os governos se tornando cada vez mais dispostos a entrar no jogo, fragmentando ainda mais a experiência dos usuários.

Fair play para todos

Há outras preocupações em jogo em relação à splinternet. Uma é a questão da equidade entre empresas de tecnologia e a mídia tradicional.

Marcas como Google, Apple, Facebook, Microsoft, Netflix e Amazon estão eclipsando os gigantes tradicionais da mídia, embora filmes, a televisão, jornais e revistas ainda sejam submetidos a níveis consideravelmente maiores de regulamentos específicos de um país e escrutínio público.

Por exemplo, empresas comerciais de televisão na Austrália devem obedecer regulamentos de produções nacionais e conteúdo infantil. Estes não se aplicam ao YouTube ou Netflix, apesar do público e comerciantes estarem migrando para estes provedores.

Está cada vez mais aparente aos desenvolvedores de políticas midiáticas que os regulamentos existentes não são significativos a não ser que se estendam ao espaço online.

Na Austrália, a Revisão de Convergência de 2012 procurou lidar com essa questão. Ela recomendou que os regulamentos midiáticos deveriam se aplicar a “Empresas de Serviço e Conteúdo” que alcançassem determinado tamanho ao invés de basear as regras na plataforma que contém o conteúdo.

Queremos uma Splinternet?

Podemos estar a caminho de uma splinternet, a não ser que novas regras globais possam ser definidas. Elas precisam combinar os benefícios da transparência com o desejo de garantir que plataformas online operem de acordo com o interesse público.

No entanto, se plataformas forem forçadas a navegar por uma complexa rede de leis e regulamentos nacionais, arriscamos perder a interconectividade da comunicação online.

O fardo de encontrar uma solução não sobra somente para os governos e reguladores, mas para as próprias plataformas.

Sua legitimidade, aos olhos dos usuários, está ligada ao que o presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, chamou para os mercados de uma “licença social para operar.”

Embora Google, Facebook, Apple, Amazon, Netflix e outros operem de forma global, precisam estar cientes de que o público espera que sejam uma força pelos bens sociais locais.

Texto original traduzido da publicação do BusinessInsider.


Considerações do tradutor:

Além do conceito de Splinternet, é interessante que nós brasileiros levemos em consideração as barreiras linguísticas encontradas na internet. Já comentei em algum lugar do blog sobre isso anteriormente, mas é evidente a distância do conteúdo e do discurso em inglês da internet – considerada pela maior parte dos usuários como o ponto de encontro global da web – do que podemos encontrar no português. Mesmo dentro da internet lusófona, há distância e desencontro do conteúdo visto em Angola, Portugal e Brasil.

Assim sendo, a Splinternet já existe de forma diferenciada para a maior parte dos internautas brasileiros. A não-proficiência no inglês já impede muitos de nós de acessar informações científicas e da mídia ao redor do mundo, prejudicando publicações acadêmicas, desenvolvimento de discurso político e conhecimento sobre os acontecimentos e desenrolar de eventos ao redor do mundo.

Porcentagens de páginas online por idioma. Fonte da imagem: Unbabel.com

Protagonistas como Google e Babelfish contribuem para a maior convergência de espaços separados na internet, o que é importante para a difusão da informação e o debate além-fronteiras. Mas os algoritmos e habilidades desses protagonistas ainda não são suficientes para realmente suprirem esse desencontro.

Por conta disso, convido os leitores que ainda não sabem inglês ou mesmo o espanhol a não terem medo de se aventurar por notícias nestes idiomas, usarem os tradutores e procurarem saber como publicações ao redor do planeta se referem a nós e ao mundo, para assim criarem uma opinião pessoal mais ampla e definida.

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